sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Porque mentiu o ministro na apresentação da OTA?

Não se conhece nenhum caso de grandes empreendimentos em Portugal em que a manipulação e o pré determinismo tenham sido tão ostensivos! A repercussão da opção errada no futuro de todo o sistema de transportes e no próprio desenvolvimento do País, será tremenda e nefasta e portanto gravíssima a manipulação consumada!

Para quem deu um pouco de atenção ao processo de escolha da localização do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), desenvolvido nas últimas 4 décadas, sabe que a história se conta em poucas linhas. A partir de 1969 o Estado Novo desencadeou vários estudos tendentes à escolha do NAL. Na análise, para além da Portela, são consideradas muitas localizações, todas na Margem Sul do Tejo, como Fonte da Telha, Montijo, Alcochete, Porto Alto e Rio Frio. Pretendia-se um NAL que pudesse vir a ter 4 pistas paralelas. Os estudos técnicos concluíram que o NAL se deveria situar na região compreendida entre o Porto Alto e o Rio Frio. A seguir o Conselho Aeronáutico fez a opção político estratégica pelo Rio Frio. Consórcios Internacionais reconheceram o rigor da decisão e desenvolveram o projecto do Rio Frio. Se nos situarmos nesse tempo e recordarmos as principais acessibilidades (auto-estrada Lisboa – Vila F. de Xira e ponte Marechal Carmona; auto-estrada Setúbal – Almada e ponte Salazar; previsível ligação ferroviária da Linha do Sul a Lisboa pela nova ponte) compreenderemos a credibilidade das opções feitas.

Só no início da década de 80 a OTA passou a ser considerada como hipótese para o NAL (apesar de nunca poder comportar 4 pistas paralelas). Desde então até 1994 as análises feitas limitaram-se à comparação da OTA e do Rio Frio que foram sendo mantidas empatadas. Com a ponte Vasco da Gama já em construção é efectuado pela ANA, em 1994, um estudo que compara OTA, Rio Frio, Montijo A e Montijo B (para duas posições distintas das 2 pistas paralelas). O estudo tem como conclusão principal a preferência pelo Montijo, mas permite tirar outras conclusões relevantes: a OTA é a pior das opções; a OTA é pior que o Rio Frio mesmo no aspecto ambiental; a exploração conjunta Portela e Montijo é viável.

Com o então Ministro Cravinho o NAL transforma-se na grande Obra do novo Poder. Nos estudos desencadeados, desenvolvidos sobretudo pelos Aeroportos de Paris (ADP) (associados à Profabril), pelo CISED e por consultores ligados à Universidade Nova (estes para aspectos ambientais), a análise é ministerialmente circunscrita à comparação da OTA e do Rio Frio. No mandato dado aos ADP previa-se que eles integrassem as conclusões das análises de outros consultores, designadamente as ambientais, na proposta da opção final. Ainda «a procissão ia no adro» quando os ambientalistas descobriram umas «fragilidades» – controversas, aliás – ao Rio Frio: o risco de colisão com aves e as condições sismológicas e geotécnicas. O Governo apressou-se a decidir pela OTA e os estudos passaram a incidir só sobre a OTA.

Como pode o Ministro, que se sentia tão desconfortado em relação à OTA, ter dito que se tinha partido do estudo de 14 localizações possíveis para chegar à OTA? Só com a ajuda da colisão com as pobres aves e do fundamentalismo dos seus «protectores» se pode dizer que se partiu de 2 localizações (2 e não 14 Senhor Ministro!)

Claro que se devia ter partido da análise de todo o território da região de Lisboa e considerado a realidade actual (não esquecendo as acessibilidades ferroviárias, alta velocidade incluída, e rodoviárias) para se respeitar o interesse nacional. Mas o Governo actual, como os anteriores, foi incompetente para seguir esse critério. E o País lá vai sendo empurrado para o «buraco» da OTA, transformado numa gigantesca "manjedoura" duma miríade de interesses particulares. Assim vai este País!