quarta-feira, janeiro 17, 2007

O NOVO AEROPORTO DE LISBOA E A REDE FERROVIÁRIA DE BITOLA EUROPEIA (1)

João Martins

1 - INTRODUÇÃO

Nos próximos anos os principais investimentos em infraestruturas de transportes no nosso país serão o novo aeroporto de Lisboa (NAL) e a rede ferroviária de bitola europeia. Ora dos estudos e processos de decisão que têm vindo a público, relativos ao planeamento físico destes dois empreendimentos, têm resultado soluções absurdas, caras e nada optimizadas quanto às interfaces funcionais com outras infraestruturas de transportes. Senão vejamos:

A localização do NAL na Ota é uma solução má do ponto de vista operacional (basta ter em conta as limitações impostas pela serra de Montejunto e pela intensa ocupação humana existente a Sul), não assegura possibilidades de expansão para além da configuração base prevista, não dispõe da área necessária para empreendimentos complementares (plataforma logística intermodal, hotelaria, empreendimentos comerciais,...) e fica a uma distância considerável de Lisboa.
A definição da rede ferroviária de bitola europeia na região de Lisboa esteve num impasse. Efectivamente, não é fácil articular as linhas para o Porto, para Badajoz e para o Algarve, com o NAL localizado na Ota e com a nova estação central a construir. O governo optou finalmente por uma solução cara, que, para além de uma nova travessia do Tejo em Lisboa, envolve a construção de 30 km de túneis entre Lisboa e Castanheira do Ribatejo.

Outros empreendimentos significativos, tais como o novo terminal de contentores do porto de Lisboa e a via férrea de mercadorias entre Sines e Badajoz, têm sido pensados isoladamente e sem qualquer articulação com outras infraestruturas de transportes.

Esta situação, a manter-se, irá implicar investimentos e custos de exploração agravados, desperdícios e acréscimo de consumos energéticos e de emissão de poluentes, em relação a soluções devidamente optimizadas e articuladas. Isto é, em lugar de se tratar de investimentos tendentes a melhorar a competitividade do país, poderão mesmo contribuir para uma redução da competitividade e constituir uma hipoteca para o futuro.


2 - O NOVO AEROPORTO DE LISBOA (NAL) NA OTA

O processo de decisão que conduziu à localização do NAL na Ota foi completamente caricato, sendo confrangedora a leviandade manifestada pelos nossos decisores nas últimas décadas, conforme se resume a seguir.

Na década de 60 e inícios da década de 70, estudos competentes e completos apontavam inequivocamente para a margem sul do Tejo (Rio Frio/Poceirão) como o local mais adequado para o NAL.

Após o 25 de Abril de 1974, confrontado com a quebra na evolução da procura decorrente da crise petrolífera e da perda das colónias, o governo tomou a decisão correcta de suspender os estudos e os investimentos relativos ao NAL, instituindo paralelamente medidas cautelares para garantir a sua futura implantação na margem sul do Tejo.

Na década de 80, sendo de novo evidente o futuro esgotamento da Portela, o governo de Bloco Central retomou o processo do NAL. Nessa altura foi confrontado com a necessidade (desde sempre prevista) de desactivar a base aérea do Montijo e o campo de tiro de Alcochete, infra-estruturas consideradas importantes pela Força Aérea, que a tal se opôs, sugerindo em contrapartida a utilização da Ota, cuja base aérea poderia ser facilmente desactivada. O governo considerou então a Ota uma solução potencialmente adequada, que teria a vantagem de evitar os custos da substituição da base do Montijo e do campo de tiro e a oposição dos militares, e retomou os estudos relativos ao NAL nesses termos. Esqueceu-se, ou não se apercebeu, de um pequeno pormenor: a Força Aérea não se opunha à desactivação da Ota devido às suas más condições operacionais!

O governo de António Guterres finalizou o processo de escolha do local do NAL, favorável à Ota, com base unicamente num procedimento de avaliação ambiental inteiramente viciado: não foram considerados os aspectos operacionais e funcionais, as possibilidades de expansão, os investimentos e os custos de exploração, a inserção do NAL nas redes de transportes terrestres e o impacte regional e nacional do empreendimento. Nesse processo apenas foram tidos em conta aspectos relativos ao impacte local do empreendimento e, mesmo assim, a primeira versão dos estudos colocava Rio Frio e Ota em pé de igualdade. Talvez porque os decisores estivessem com receio de tomar uma decisão política com base num EIA inconclusivo, os resultados do estudo foram alterados ponderando apenas meia dúzia de descritores (todos relativos à fauna e à flora) favoráveis à Ota. Para além disso inseriu-se nas conclusões finais uma opinião gratuita e sem um qualquer fundamentação, afirmando que o Rio Frio não era ambientalmente sustentável. Essa frase matou definitivamente a questão. O facto da Ota implicar a execução de grandes aterros nas baixas aluvionares compressíveis das ribeiras da Ota e do Alvarinho (antigos paúis drenados e regularizados no último quartel do séc. XVIII) foi considerado quase irrelevante.

É inconcebível que decisões tão importantes para o país como a localização do NAL sejam tomadas deste modo. Efectivamente a Ota é um verdadeiro buraco, que devia ser rejeitado liminarmente como localização do NAL e nunca posto em pé de igualdade com o Rio Frio para efeitos de avaliação ambiental. No entanto, nada disto é estranho: a nossa administração pública tem a terrível tendência para fazer mau ou caro e, muitas vezes, mau e caro. A Ota corresponde a este último paradigma: mau e caro.


3 - LOCALIZAÇÃO PROPOSTA PARA O NAL

A área de implantação do NAL tem de satisfazer as seguintes condicionantes básicas: área suficiente em terra para a infra-estrutura básica, ampliações futuras e empreendimentos complementares; aproximações aeronáuticas livres de obstáculos; distância inferior a 50 km do centro de Lisboa.

Só existe uma zona que satisfaz estes requisitos: trata-se da área da margem Sul do Tejo limitada a Norte pela EN 119, a Sul pela EN 5 e via férrea, a Leste pela EN 10 e A13, e a Oeste pelas baixas aluvionares do rio das Enguias e seus afluentes (açude do Buraco, barragem da Venda Velha e barragem dos Vinte e Dois). Dentro desta vasta área, qualquer localização serve. No entanto, dispondo o Estado do campo de tiro de Alcochete e tendo este de ser desactivado, porque não localizar o NAL nos terrenos do campo de tiro? O custo e o impacte social das expropriações seriam drasticamente reduzidos. As acessibilidades rodoviárias ao NAL seriam facilmente asseguradas através de ligações à A12 e à A13.

A localização proposta para o NAL implica pois a desactivação da base aérea do Montijo e do campo de tiro de Alcochete. As valências da base aérea poderão ser transferidas para as restantes bases existentes na região de Lisboa (Granja do Marquês, Alverca e Ota) ou para a excelente e subutilizada base de Beja. Também não haverá grande dificuldade numa instalação alternativa do campo de tiro, algures no Alentejo.
Quanto à importante reserva natural e zona especial de protecção do estuário do Tejo, pode verificar-se que a localização proposta para o NAL viabiliza a manutenção de um corredor ecológico entre os estuários do Tejo e do Sado. Esse corredor, constituído pela área envolvente das zonas húmidas associadas ao rio das Enguias (vala de Rio Frio) e à ribª da Marateca, deveria ser objecto de medidas cautelares relativas à utilização do solo, mas sem inviabilizar o seu indispensável atravessamento por infraestruturas lineares.



4 - REDE FERROVIÁRIA DE BITOLA EUROPEIA

A rede de CF de bitola europeia tem de servir as cidades de Lisboa e Porto, o novo aeroporto de Lisboa e as interligações com a rede espanhola definidas na Cimeira da Figueira da Foz: Badajoz (1ª Fase), Valença, Vilar Formoso e Ayamonte (2ª Fase). A localização do NAL no campo de tiro de Alcochete compagina-se bem com a instalação de um nó ferroviário interligando as linhas para Lisboa, para Norte, para Badajoz e para Sul.

A linha para a estação central de Lisboa, a localizar em Chelas conforme previsto pela RAVE, implica a execução de uma nova travessia ferroviária do Tejo entre Chelas e o Samouco, e deveria ser utilizada pelas navettes para o NAL (que poderiam ter uma paragem intermédia entre Montijo e Alcochete) e pelos comboios de longo curso de passageiros.

A linha para Badajoz deveria passar por Évora, conforme previsto pela RAVE, e ser utilizada por tráfego misto (mercadorias e passageiros), tal como em Espanha.

A linha para Norte deveria seguir pela margem esquerda do Tejo até às imediações de Almourol e ter uma estação na zona de Tomar/Entroncamento. Os custos de construção inerentes a este corredor seriam muito inferiores aos do corredor previsto pela RAVE, passando pela Ota e por Leiria. Esta linha poderia também ser utilizada por tráfego misto, pelo menos na secção NAL/Tomar. Leiria poderia ser compensada pela execução do IC9 com perfil de auto-estrada entre Fátima e Tomar.

A linha para Sul deveria seguir em direcção a Sines numa primeira fase, sendo posteriormente prolongada para o Algarve pelo corredor de S. Marcos da Serra. Na primeira fase (até Sines) seria utilizada apenas por mercadorias. A sua construção iria garantir a ligação de Sines a Espanha e à Europa através de uma linha de altas performances e bitola europeia, potenciando assim a dinâmica do porto de Sines, e contribuindo para a rentabilização da linha Lisboa/Badajoz. Além disso evitaria o absurdo investimento na nova linha de bitola ibérica Sines/Évora/Badajoz, presentemente em estudo.

A transferência modal, ou o intercâmbio de via, entre as redes de bitola europeia e de bitola ibérica, poderiam ser assegurados no Poceirão, em Vendas Novas, na zona de Tomar/Entroncamento, em Coimbra e no Porto.



5 - ACESSIBILIDADES AO BARREIRO

Há quem defenda a implantação da nova ponte ferroviária sobre o Tejo entre Chelas e Barreiro, tendo a RAVE chegado a desenvolver estudos para um absurdo traçado da linha de bitola europeia Lisboa/Porto atravessando o Tejo entre Chelas e Barreiro, contornando o Mar da Palha por Sudeste, e atravessando de novo o Tejo a Norte do Carregado, em direcção à Ota e a Leiria. Há mesmo quem defenda uma faraónica ponte entre Chelas e Barreiro com três modos de transporte: rodoviário, ferroviário pesado e metro ligeiro.

Discordo dessa localização por duas razões fundamentais: trata-se do local onde o estuário é mais largo, sendo pois provavelmente o local onde a ponte seria mais cara; trata-se também do local onde a ponte iria interferir mais com a grande bacia de manobra do porto de Lisboa, cerceando significativamente as suas potencialidades.

Por outro lado, uma nova ponte com amarração Norte na zona de Chelas deve ser exclusivamente ferroviária. Uma travessia rodoviária nesse local iria induzir tensões inadmissíveis na malha rodoviária urbana da cidade de Lisboa. Não é aconselhável continuar a fomentar o uso de viaturas particulares nas deslocações casa/trabalho entre as duas margens do Tejo.

O reforço das acessibilidades ao Barreiro poderia ser assegurado através de dois modos: prolongamento da rede de eléctricos rápidos (metro do Sul do Tejo) não só entre o Seixal e o Barreiro, mas também entre Barreiro/Montijo/Alcochete (interface com a via férrea Chelas/Montijo/NAL) e, eventualmente, entre Montijo e Pinhal Novo (aproveitando o corredor do ramal de CF desactivado); ligação rodoviária entre os acessos à ponte Vasco da Gama (nas imediações da área de serviço) e o Barreiro, passando pela base aérea do Montijo (a desactivar) e atravessando em ponte o esteiro do Montijo. A ponte a construir no esteiro do Montijo deveria pois servir o modo rodoviário e o metro ligeiro de superfície.

6 - NOVO TERMINAL DE CONTENTORES DO PORTO DE LISBOA

Os estudos anteriores para o novo terminal de contentores do porto de Lisboa apontavam para três localizações alternativas: Trafaria, Seixal e Montijo. A segunda foi abandonada pelas enormes dragagens necessárias e a terceira pela existência da base aérea do Montijo, cuja desactivação exigia.

Agora estão em cima da mesa duas localizações alternativas: Trafaria e Barreiro. Com a perspectiva da desactivação da base do Montijo, deveria ser de novo considerada a reutilização do seu espaço para o novo terminal de contentores.

Efectivamente, as acessibilidades rodo e ferroviárias seriam facilmente asseguradas com os esquemas atrás referidos. Haveria apenas que considerar a eventual execução em via quádrupla da linha de bitola europeia entre Samouco e o NAL, a fim de viabilizar a circulação das navettes para o NAL, das composições de passageiros de longo curso e das composições de mercadorias.
As dragagens e os terraplenos necessários seriam avultados, mas inferiores aos do Barreiro, enquanto a Trafaria, que tem a vantagem de apresentar elevadas profundidades naturais, é penalizada pelas difíceis e onerosas acessibilidades terrestres e pelos aspectos paisagísticos, já hoje prejudicados pelos incríveis silos aí existentes.


7 - CONCLUSÕES

Descrevi sucintamente um esquema coerente de ordenamento físico das principais infraestruturas de transportes a construir nos próximos anos (novo aeroporto de Lisboa e 1ª fase da rede ferroviária de bitola europeia) e sua articulação com outras infraestruturas de transportes na região de Lisboa, de modo a maximizar a sua eficiência económica.
Procurei deste modo dar pistas para os estudos a desenvolver e para a reavaliação de algumas opções, tão pouco sensatas me têm parecido as decisões relativas à localização do NAL na Ota, à linha de bitola ibérica entre Sines e Badajoz e à configuração da rede ferroviária de bitola europeia.
NB - Este artigo é a minha homenagem ao saudoso Engº Reis Borges, que nos deixou tão recente e repentinamente, e que tão crítico era da instalação do NAL na Ota.

Lisboa, Outubro de 2006

João Martins
(Engº Civil)
Fig. 1 - NAL. Localização e acessibilidades propostas
Fig. 2 - Rede CF de bitola europeia proposta (1ª fase)
Obs: Nas figuras foi utilizada a carta Michelin, a quem, com a devida vénia, se agradece.
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(1) Esta nota técnica foi elaborada por um amigo meu, com quem temos tido ocasião de colaborar desde longa data, e tal como eu, tem estado envolvido em múltiplos projectos de vias de comunicação. O nome de quem assina este texto, João Martins, é o pseudónimo que ele utiliza. Este documento que é a visão do autor, e não obviamente a minha, parece ser um contributo valioso para a questão do Novo Aeroporto de Lisboa. JPP

5 Comments:

At 1/18/2007 8:16 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Eis uma visão lúcida e coerente sobre o futuro sistema nacional de transportes! Que optimizaria a acessibilidade de todo o País e da vizinha Espanha ao NAL e entre este e a nova rede de bitola europeia. Apenas três observações: 1-A travessia do estuário do Tejo, na zona referida, pode ser feita, com vantagens de custo e ambientais, em túnel. Posso garantir-lhe que existem pareceres nesse sentido dados por alguns dos maiores especialistas mundiais na construção de túneis submersos em zonas de forte sismicidade que tiveram acesso ao conhecimento geotécnico do leito do Tejo adquirido com a construção da ponte Vasco da Gama; 2-A ligação de Sines ao Algarve deveria fazer-se ainda mais a Oeste para servir bem o Barlavento algarvio, pois, como costuma explicar o Prof. Nunes da Silva, o Algarve não tem um polo gerador de tráfego (Faro) mas uma miríade deles que se estende ao longo de todo o litoral Sul; 3-A ligação a Norte, sendo viável tecnicamente pelo corredor que indica, aliás já considerado no século XIX e nos fnais da década de 80 quando se fizeram os primeiros estudos sobre a nova rede, será mais razoável que sirva Santarém e, na minha opinião, indispensável que sirva Leiria. A outra opção pelo Oeste da serra dos candeeiros, oficialmente considerada, só faria sentido se tivesse uma estação que servisse a Comunidade Urbana do Oeste (posso garantir-lhe que a opção seleccionada na década de 80 tinha uma estação em Alcobaça!)e permitisse reconverter a linha do Oeste.
Parabéns pelo seu trabalho assente numa visão global e integrada e não em lógicas casuísticas e sectoriais.

 
At 1/26/2007 7:22 da tarde, Blogger Unknown said...

Independentemente de se concordar ou não com todas as interessantes propostas que constam deste artigo, não se pode deixar de salientar o seu interesse para uma discussão séria destes problemas. Se os aspectos de ordenamento do território e do planeamento urbano estão quase ausentes do texto, tal não significa que as consequências destas propostas não se fizessem sentir nestes domínios de uma forma muito mais consentânea com o modelo de ordenamento do território aprovado pelo governo no PROTAML, ao contrário do que se verifica com a opção OTA e demais acessibilidades terrestres. Pena é que o país continue a desbaratar recursos financeiros em opções de investimento que, sendo inegáveis bons negócios para alguns sectores, pouco ou nada contribuem para o salto qualitativo que o desenvolvimento do país tanto necessita. No caso da OTA nem as habituais lógicas sectoriais que têm dominado a intervenção pública no sector dos transportes, salvam esta opçõa, pois nem do ponto de vista aeroportuário essa localização satisfaz as necessidades de um aeroporto para o século XXI.
Como infelizmente vem sendo hábito entre nós, decisões desta importância acabam por ser tomadas e consolidadas a partir de "pequenos passos", aparentemente sem grande importância (como foram os casos das incongruências do chamado Estudo de Incidências Ambientais ou a "ordem" para pôr a OTA no PROTAML, ao arrepio e em contradição com toda a estratégia territorial aí defendida, mas que, a pouco e pouco, vão formatando a "solução" final.
Triste país este onde os técnicos abdicaram de pensar pela sua própria cabeça e os decisores políticos se preocupam mais com as próximas eleições do que com os interesses do país a longo prazo.
Fernando Nunes da Silva

 
At 1/26/2007 7:22 da tarde, Blogger Unknown said...

Independentemente de se concordar ou não com todas as interessantes propostas que constam deste artigo, não se pode deixar de salientar o seu interesse para uma discussão séria destes problemas. Se os aspectos de ordenamento do território e do planeamento urbano estão quase ausentes do texto, tal não significa que as consequências destas propostas não se fizessem sentir nestes domínios de uma forma muito mais consentânea com o modelo de ordenamento do território aprovado pelo governo no PROTAML, ao contrário do que se verifica com a opção OTA e demais acessibilidades terrestres. Pena é que o país continue a desbaratar recursos financeiros em opções de investimento que, sendo inegáveis bons negócios para alguns sectores, pouco ou nada contribuem para o salto qualitativo que o desenvolvimento do país tanto necessita. No caso da OTA nem as habituais lógicas sectoriais que têm dominado a intervenção pública no sector dos transportes, salvam esta opçõa, pois nem do ponto de vista aeroportuário essa localização satisfaz as necessidades de um aeroporto para o século XXI.
Como infelizmente vem sendo hábito entre nós, decisões desta importância acabam por ser tomadas e consolidadas a partir de "pequenos passos", aparentemente sem grande importância (como foram os casos das incongruências do chamado Estudo de Incidências Ambientais ou a "ordem" para pôr a OTA no PROTAML, ao arrepio e em contradição com toda a estratégia territorial aí defendida, mas que, a pouco e pouco, vão formatando a "solução" final.
Triste país este onde os técnicos abdicaram de pensar pela sua própria cabeça e os decisores políticos se preocupam mais com as próximas eleições do que com os interesses do país a longo prazo.
Fernando Nunes da Silva

 
At 1/29/2007 3:57 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Agradeço os comentários do senhor Engº Arménio Matias, que não conheço pessoalmente, mas que muito prezo pela sua actividade ferroviária de grande mérito e de longa data. Aqui vão as minhas observações aos seus comentários.

1. Travessia ferroviária do Tejo: ponte ou túnel?
Do ponto de vista do ordenamento da rede, é indiferente que a travessia seja em ponte ou em túnel.
Aliás, no meu texto, referi-me a travessia e não a ponte. Apenas utilizei o termo ponte quando critiquei a tão propalada ponte Chelas / Barreiro. Para a travessia ferroviária Chelas / Montijo julgo que deverão ser estudadas e comparadas as opções ponte e túnel.
Note-se que a opção túnel só poderá fazer sentido para uma travessia ferroviária. Numa travessia mista rodo-ferroviária (de que discordo) tal opção seria incomportável. Mesmo para a travessia ferroviária, a solução túnel implica alguns inconvenientes: rampas mais extensas e maiores riscos e indeterminações associados à fase de construção. Deste modo, julgo que a solução túnel só deverá ser adoptada se os estudos apontarem para custos de construção substancialmente inferiores aos da solução ponte.

2. Linha de bitola europeia para o Algarve
Não sendo uma prioridade, convém tratar desde já do seu planeamento físico devido ao impacte que terá na rede de transportes e no ordenamento da região.
É verdade que os espaços urbanos do Algarve são extremamente extensos e de baixa densidade, o que não facilita o estabelecimento de uma rede adequada de transportes colectivos. Mas a linha de bitola europeia terá como vocação o longo curso, não me parecendo que se justifique mais do que uma estação no Algarve. A sua localização deverá ser na zona de Faro / Loulé, onde já estão instalados o centro administrativo, a universidade, o aeroporto e os principais empreendimentos turísticos (Vilamoura, Quarteira, Vale de Lobo, Qta do Lago, etc). Porque não localizar a estação do Algarve no chamado Parque das Cidades, onde está também previsto o novo hospital regional? A distribuição regional e o tráfego local poderiam ser assegurados por um serviço de tipo tram/train, baseado na linha actual, com ramais para o aeroporto e para o Parque da Cidade (e porventura outros, para Loulé, Quarteira, Albufeira, por ex.).
Com estes pressupostos, o corredor de S. Marcos da Serra é o mais conveniente para a Ligação Sines / Algarve.

3. Leiria ou Tomar?
O estabelecimento da linha entre o NAL e o Porto deve privilegiar a redução dos custos de construção e de exploração, uma vez que o serviço de percurso será sempre pouco importante, e que a respectiva construção terá de ser altamente subsidiada.
Face às condicionantes geográficas (geomorfologia, ocupação do solo, etc) não tenho dúvidas que o corredor passando nas imediações de Tomar e desenvolvendo-se na margem esquerda do Tejo para Sul será o que conduz a melhores resultados nestes dois parâmetros. Isto implica que uma estação entre Coimbra e o NAL deva ser localizada na zona de Tomar / Entroncamento (por exemplo, junto a Tancos). A área de influência próxima desta estação (Concelhos de Tomar, Torres Novas, Entroncamento, Golegã, Barquinha, Constância e Abrantes) tem uma população de perto de 160 000 habitantes, da mesma ordem de grandeza da área de influência próxima de uma estação localizada em Leiria (concelhos de Leiria, Marinha Grande e Batalha).
João Martins

 
At 1/31/2007 6:04 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O Prof. Nunes da Silva nos seus comentários foca um dos principais* motivos da ineficácia dos instrumentos de ordenamento do território: as decisões casuísticas, baseadas em interesses particulares ou lógicas sectoriais ou, o que ainda é pior, nem sequer baseadas nisso.
A Ota é de facto um caso exemplar. O motivo porque certos sectores da inteligência nacional defendem a instalação do NAL na Ota é a sua conveniência para potenciar a procura gerada num eixo litoral de desenvolvimento situado para Norte de Setúbal: quanto mais para Norte melhor a localização do NAL se adequa a essa lógica. Nada disto faz sentido: A localização do NAL é pouco relevante para a prossecução desse objectivo. O que é relevante é a sua articulação com uma rede de transportes terrestres eficaz.
Por outro lado, a localização do NAL deveria ser muito mais determinante para as politicas de ordenamento de território e da rede de transportes terrestres do que determinada por estas. Efectivamente, as condicionantes básicas que deveriam determinar a localização do NAL são as que apontei no início do ponto 3 do meu artigo, devendo as políticas de ordenamento do território e da rede de transportes terrestres ter em conta e adequarem-se a essa localização. Foi por isso que quase não me referi ao ordenamento do território, com excepção das áreas de protecção ambiental.
Também por isso entendo que, tomada a decisão de instalar o NAL na Ota, a linha Lisboa / Porto tenha de passar pela Ota e por Leiria. A insensatez da localização do NAL na Ota conduz necessariamente a uma cadeia de decisões insensatas no que se refere ao ordenamento do território e da rede de transportes terrestres. Com decisões destas contribui-se eficazmente para a redução da competitividade do país no contexto europeu, o que aliás parece ser um objectivo deliberado de alguns dos nossos decisores.
João Martins

* Um dos principais mas não o principal. O principal é a inexistência de perequação associada à valorização dos actos administrativos relativos ao ordenamento de território.

 

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