quarta-feira, março 08, 2006

Liberdade de expressão

Nenhum verdadeiro democrata ignora a importância da liberdade de expressão enquanto pilar fundamental do regime democrático.

Dos direitos políticos e de cidadania conquistados em Portugal com o 25 de Abril de 1974, pode mesmo dizer-se que é dos poucos que no essencial ainda assim persiste passados 30 anos. Não obstante, nos últimos tempos têm surgido repetidos afloramentos em diferentes fontes de poder, indiciando uma crescente tentação de limitar o exercício da liberdade de expressão. E daí, a um passo de cercear liberdades intrínsecas ao exercício efectivo de direitos fundamentais da sociedade democrática. A liberdade de expressão é, como se sabe, um ícone dos regimes de liberdade, um direito que não existe em regimes de ditadura, um valor não quantificável que só é respeitado em sociedades desenvolvidas e democráticas.

Desde a tentativa de “moderar” as criticas do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa no anterior programa de comentários de Domingo na TVI, às repetidas violações do segredo de justiça em casos mediáticos, às escutas telefónicas com um âmbito que tem extravasado do perímetro que seria de esperar, até ao recente episódio de busca judicial na redacção do Jornal 24 horas, tudo tem contribuído para um sentimento de descrédito e de ameaça de direitos civis e políticos, inerentes a liberdades fundamentais do sistema democrático.

Acresce que todo este clima tem vindo a ser amplificado pela situação de crise económica que se instalou no país, e de que por enquanto ninguém parece saber como se pode sair. O desemprego e a crescente tendência para o vínculo laboral precário, constituem outra face da mesma moeda que empurra cada vez mais portugueses para a resignação, para o pessimismo e para a quebra de auto-estima. Ou seja, a conjugação de um conjunto de factores negativos que dificultam ainda mais a recuperação da confiança e de expectativas positivas, indispensáveis para relançar o crescimento económico e o desenvolvimento social que o país precisa para sair da crise.

Nas empresas de comunicação social, jornais, revistas, rádios e televisões é notório que são cada vez menos as vozes livres que se atrevem a ir além do politicamente correcto. Por mais distraído que seja, basta abrir os jornais para qualquer um se dar conta de que as notícias pagas para promover empresas, empresários e gestores, públicos e privados, ocupam cada vez mais espaço de comunicação. O jornalismo deixou praticamente de ser uma profissão independente. Os jornalistas passaram a assalariados, mal pagos e em grande parte fragilizados por vínculo de contrato de trabalho precário, num mercado completamente sufocado por apenas dois ou três grupos empresariais de comunicação. O jornalismo de investigação é por isso cada vez mais raro, sendo mais fácil e muito menos arriscado escrever sobre viagens, cinema, moda, vida amorosa de figuras públicas, acompanhar candidatos e políticos em campanha, ou fazer reportagem sobre acontecimentos em terras longínquas. Restam hoje no jornalismo português já poucas, embora, felizmente, honrosas excepções, a quem o país continua a dever justo tributo de consciência livre e democrática.

Também no terreno dos funcionários públicos, das empresas públicas e das privadas, a actividade sindical e o exercício da negociação colectiva já conheceram melhores dias. A este nível o exercício das liberdades constitucionais tem vindo mesmo a transformar-se num acto heróico, a que já muito poucos se atrevem com receio das consequências. Uma contingência a que naturalmente não escapam as empresas do sector ferroviário. Isto não obstante as suas tradições de mobilização e de luta por direitos e liberdades como uma das mais vincadas referências da democracia. Veja-se a luta recentemente travada no sector dos transportes pela reposição de valores éticos de gestão, com a denúncia pública de troca de lugares de administradores entre empresas ferroviárias e outras. Luta em que, a verdade tem que ser dita, o SINDEFER esteve sempre na linha da frente.

Ora voltando à liberdade de expressão, o que é absolutamente de espantar é que os crescentes sinais de intolerância e ameaça, se continuem a acentuar em Portugal na vigência de um governo de maioria do Partido Socialista, justamente um partido de dirigentes com provas de um longo passado de combate e de luta pela liberdade e pela construção da democracia. E mais surpreendente ainda é constatar como é que socialistas em lugares de confiança política nos conselhos de gerência de empresas, se podem prestar a perseguir até outros socialistas, exclusivamente para tentar calar vozes incómodas como a do SINDEFER, mesmo que isso signifique um dos mais graves atentados ao controlo democrático e à liberdade de expressão no sector ferroviário e no país.

Todavia, haverá que chamar a atenção para alguns aspectos que importa não subavaliar. Seja: 1 - a Internet é já hoje um poderoso meio de comunicação, e sê-lo-á ainda mais no futuro; 2- está provado que por cada site que se cala nascem pelo menos mais três, quase sempre ainda mais difíceis de controlar; 3 - um artigo que se coloca num site pode chegar quase instantaneamente ao gabinete de um enorme conjunto de individualidades, desde o funcionário, ao assessor, ao presidente, ao secretário, ao amigo e ao ministro; 4 - todos temos amigos importantes, mas nem todos gostamos de pedir, alguns só o fazem se for mesmo indispensável; 5 - a Internet funciona segundo o moderno conceito de rede, e múltiplos sites estão linkados entre si; 6 - não é que aqui até se acredite em fantasmas, mas, quem sabe, à cautela talvez o melhor seja mesmo não os fazer sair do armário, …

1 Comments:

At 3/08/2006 8:33 da manhã, Anonymous Anónimo said...

A "ousadia" do Presidente da CP, apoiado pelo novo administrador "socialista", que exige o fim das notícias incomodas, no site do Sindefer, os outros vêm a seguir, senão terá de agir sobre a vida profissional de um seu Dirigente é indigna do Portugal de Abril. Mais grave ainda quando se pôe a contar todos os apoios que tem para essa "nobre" tarefa.

 

Enviar um comentário

<< Home