sábado, março 11, 2006

De Vitória em Vitória até à Derrota Final …

a) O Presente

Em Novembro de 2005, realizou-se uma cimeira luso-espanhola, em Évora. Nas vésperas, os dirigentes e os meios de comunicação portugueses, afirmaram que Portugal apenas deveria ter duas linhas de alta velocidade ferroviária, Lisboa – Porto e Lisboa – Madrid, porque todas as outras não eram realistas. Os múltiplos “assalariados” e “comentadores” que dominam a Comunicação Social deram eco a mais esta posição do Governo, cantando loas a esta clarividência dos nossos Ministros e Secretários de Estado, e à atitude prudente por eles assumida perante um esbanjar de dinheiro em linhas com fracas previsões de tráfego. Como corolário desta situação, na cimeira de Évora não esteve presente o Ministro do Fomento Espanhol que trata destes projectos. Logo na semana seguinte, teve o nosso ministro das Obras Públicas de ir a Espanha para ouvir dizer que o governo espanhol mantém como objectivo prioritário a conclusão de todos os traçados acordados na cimeira da Figueira da Foz até à fronteira portuguesa, bem como todos os prazos acordados nas cimeiras bilaterais (Lisboa-Madrid até 2010, troços espanhóis nas ligações entre Vigo e Porto, Salamanca e Aveiro e Huelva e Faro, respectivamente até 2009, 2015 e 2018). Mais uma grande vitória para Portugal, cantariam os órgãos de Comunicação Social e o Ministro Espanhol agradeceu a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Já em 2006, no final do mês passado, decorreu em Santiago de Compostela (Galiza, Espanha), uma cerimónia de transferência da presidência da Comunidade de Trabalho Norte de Portugal – Galiza. Neste encontro luso-espanhol, um dos nossos governantes comunicou que afinal já não se iria fazer uma linha em alta velocidade entre o Porto e Vigo, mas uma ligaçãozita mais modesta porque não somos ricos. Não é um TGV, antes um comboio de velocidade elevada, uma espécie de "Alfa" pendular da linha Porto-Lisboa, idealizado para servir as ligações do Noroeste Peninsular. Isto, como é evidente, se a comunidade de trabalho Norte de Portugal - Galiza conseguir demonstrar a rentabilidade económico-financeira da exploração… (o que, se julga, muito espantaria a parte portuguesa porque os seus “estudos” apontam para a insustentabilidade financeira de todo o projecto). Enfim, deste encontro luso-espanhol obteve-se mais uma grande vitória para Portugal, tendo presente as notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação portugueses.

b) o Futuro próximo

Admite-se que, num dos próximos encontros entre governantes de Portugal e de Espanha, os portugueses comunicarão que estiveram a estudar os nossos sistemas de transporte e nomeadamente os nossos portos. Para dar uma dimensão europeia aos nossos portos do Sul (Sines, Setúbal e até Lisboa), a melhor solução seria fazer ligações ferroviárias entre eles arranjando-se uma plataforma no Poceirão e fazendo uma ligação ferroviária entre Sines e Évora, para escoamento de mercadorias e alargando o “hinterland”. O objectivo seria chegar com todas as mercadorias até ao porto seco de Madrid (possivelmente pelo facto dos nossos governantes entenderam (coitados!) que para eles Madrid já é o centro da Europa). A dúvida que os governantes ainda terão nessa altura será mais proverbial do que real: devem-se fazer as duas plataformas, uma para mercadorias e outra para passageiros em alta velocidade, ao lado uma da outra ou relativamente afastadas entre si? E esta posição será apoiada por imensa gente sabedora, com todos os atributos e graus, bem como por dirigentes políticos. Afinal, tem-se dito, referido e escrito que não se podem transportar mercadorias em linhas de alta velocidade, exceptuando obviamente umas malas de correio expresso e uns pacotes de camarão ou algumas postas de pescada convenientemente embrulhadas. O que outros países têm andado a projectar são obviamente alucinações (Espanha, Itália, Alemanha). Neste encontro, os espanhóis ouvirão e calarão e como conclusão desta frutuosa cimeira, será dito ao povo português que foi mais uma vitória para Portugal, do nosso Povo e do nosso Governo, e o mesmo cantará a subserviente Comunicação Social. Também aqui, o Ministro Espanhol agradecerá a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Dali a mais algum tempo, talvez um ano, haverá outra cimeira luso-espanhola. Possivelmente será comunicado aos nossos vizinhos que afinal o projecto de fazer uma linha em alta velocidade ligando Portugal directamente a Irun e à Europa para além dos Pirinéus, o até agora designado eixo Vila Formoso – Irun, que serviria a zona de Porto – Aveiro – Coimbra, também não tem interesse porque o nosso país não é rico e esta ligação também tem fracas previsões de tráfego segundo os “estudos” portugueses. Novamente haverá sectores do nosso panorama político (actuais e passados), universitário e empresarial a defender estas medidas ajuizadas e cheias de bom senso dos líderes do nosso País, alegando que a mente clarividente dos governantes permitiu pôr cobro a mais um projecto megalómano que, segundo argumentam, não tinha qualquer sustentabilidade financeira. Também a Comunicação Social, bem domesticada e controlada (e mediocratizada) pelos sucessivos Governos fará eco destas vozes nas televisões, rádios e jornais semanários, diários, regionais. Será mais uma grande vitória para Portugal, e o Ministro Espanhol agradecerá a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Numa das cimeiras que se sucederá, possivelmente antes de 2010, os nossos governantes aproximar-se-ão humildemente dos nossos vizinhos espanhóis e comunicarão que afinal também não há dinheiro para fazer a linha em alta velocidade entre Lisboa e Badajoz. Por outro lado, a fazer-se ela teria de passar pelo futuro Aeroporto Internacional de Lisboa (a situar não em Lisboa nem na Península de Setúbal, porque é preciso não esquecer que há muito tráfego que virá do Porto, e por isso a sua localização deve ter em consideração a posição dessa cidade. Daí que a Ota tenha surgido como o melhor local para servir as duas cidades mais importantes de Portugal, embora, como é evidente, esteja “ligeiramente mais próximo” da capital). Nesta cimeira, provavelmente a parte portuguesa ainda não estará convencida que a linha em alta velocidade tenha de ser mista, ou seja, para passageiros e para mercadorias, porque então para que teria servido andar a fazer uma linha de caminho de ferro entre Sines e Badajoz para mercadorias? E alegará que serão precisos mais estudos… Os espanhóis ficarão agastados com a posição portuguesa e dirão que esperavam chegar a Lisboa primeiro em 2010 e depois em 2013, na sequência dos contactos e afirmações de governantes portugueses. Depois, hão-de sugerir que a linha seja mista como o era desde Madrid a Badajoz. O Governo ripostará que nunca poderá adoptar uma linha mista porque senão os seus opositores e detractores, enfim os seus inimigos, diriam que eles seriam tão burros como todos os governantes, dirigentes e técnicos que defenderam a modernização da linha do Norte e que depois a deixaram órfã de paternidade e de apoio… Os espanhóis ouvirão com atenção estas alternativas e tipos de traçado e torcerão o nariz e pensarão: não é isso que queremos, porque andar às voltas por Portugal não permite fazer o melhor tempo entre Madrid e Lisboa, e aí já são os seus interesses de centralização do poder na capital espanhola e de concepção estratégica global que estarão postos em causa. Lógica e normalmente, proporão fazer eles essa ligação entre Badajoz e Lisboa, eventualmente através de uma PPP (parceria público-privado, neste caso, não se sabendo bem se a parte pública seria portuguesa ou espanhola …). E avançam que a linha será mista entre Badajoz e Lisboa na continuação do que está previsto e então parcialmente já construído entre Madrid e Badajoz; no caminho essa nova linha vai servindo os portos de Setúbal (onde empresas espanholas já operam um “pequenito” cais), e ainda o de Sines e o de Lisboa. Mais ainda, incluem uma travessia em ponte entre Barreiro ou Montijo e Lisboa. Obviamente que a operação, exploração e gestão desta linha será espanhola. Como será espanhola a gestão e exploração dos comboios da nova ponte sobre o Tejo por eles construída e por onde passarão, para além da alta velocidade, os suburbanos e talvez os passageiros e as mercadorias do futuro aeroporto internacional que alguém se lembrará de construir em alternativa à Ota, na península de Setúbal, algures na zona entre o rio Frio e o Poceirão. Para rendibilizar o investimento, o Ministro Espanhol pedirá que lhes sejam dadas mais facilidades, através de empresas espanholas, nos controlos dos portos do Sul de Portugal (Sines, Setúbal e porque não Lisboa). Já agora porque não implementar a construção desse novo aeroporto da Península de Setúbal?. Nesta altura, os governantes portugueses ficarão encantados (tal como ficaram todos os dirigentes políticos dos países latino–americanos quando os Estados Unidos da América passaram a intervir política e economicamente nos seus territórios, sobretudo depois da presidência de Theodore Roosevelt que tão bem implementou a doutrina Monroe). De uma só cajadada conseguiram resolver os problemas todos: conseguiram fazer (por fim!) uma linha em alta velocidade, conseguiram ligar os portos do Centro e do Sul de Portugal entre si e a Madrid, conseguiram fazer uma nova ponte em Lisboa, e, com um pouco de optimismo, têm um novo aeroporto e um novo centro logístico na Península de Setúbal. Tudo isto sem grandes investimentos de capital público português (embora também não controlando a gestão e a exploração dessas infraestruturas estratégicas). Mais, no final, ainda podem dizer que toda aquela obra foi organizada, preparada e até (se calhar …) realizada na sua legislatura… O final desta cimeira, será mais uma grande vitória para Portugal, e o Ministro Espanhol agradecerá a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Com tantas vitórias em tantas cimeiras e encontros, Portugal deveria estar de parabéns pelos seus governantes e pelos brilhantes sucessos obtidos. No entanto, talvez esta sucessão de vitórias para Portugal venha a resultar na nossa derrota final, porque ficaremos totalmente dependentes. Nessa altura, a nossa linha prioritária de escoamento de mercadorias (o eixo Vilar Formoso – Irun) não existirá, exceptuando em termos rodoviários porque já está feita, e tudo passará por Madrid aonde também irão chegar as linhas viárias (ferro e rodo) de acesso de todos os portos espanhóis de primeira e segunda importância (desde Baía de Algeciras a Barcelona, passando por Valência; desde Vigo a Bilbau-San Sabastian). E obviamente que, neste caso, a prioridade não será dada ao escoamento dos produtos portugueses. Em volta de Portugal haverá portos secos espanhóis (Salamanca, Badajoz, Sevilha) e portos marítimos (Vigo e Cádis), e será ali que os portugueses se irão abastecer ou vender as suas mercadorias, levando ao desenvolvimento dessas cidades e regiões e ao não-desenvolvimento ou mesmo atrofiamento dos aglomerados urbanos e zonas que lhes poderiam fazer concorrência em Portugal (nomeadamente à perda de influência da zona do Grande Porto, e em menor escala das regiões de Évora, da Guarda e do Algarve). Por outro lado, as vias e infra-estruturas de transporte, mais relevantes e estruturantes do país e sobretudo da zona da capital, seriam operadas e geridas pelos espanhóis, com todos os inconvenientes estratégicos e de operacionalidade associados.

E tudo isto porque os nossos vizinhos espanhóis já estudaram o que querem ser até 2020, que resumidamente se pode compreender pela figura seguinte, com as ligações entre cidades e regiões, em termos de eixos de transportes e de centros logísticos.

Contra esta política de gestão estratégica do espaço peninsular, pensada e em implementação pela Espanha, o que pensam os Portugueses? Alguma coisa hão-de ter previsto, pensarão alguns. Infelizmente, já há muito tempo que no nosso país só se raciocina em termos de período eleitoral ou de intervalo da legislatura, e como os votantes teimam em votar contra os que estão no poder porque a mediocridade dos dirigentes é por demais evidente, os governos têm uma curta duração e são de gestão casuística e de curto prazo, não elaborando uma estruturação para médio ou longo prazo. Portugal cada vez mais está dependente de Espanha e nem estuda o que ela tem em mente ou o que quer, para saber como tirar partido das vantagens e desvantagens de cada posição. Precisamente o contrário do que faz a Espanha, como se tem provado pelo modo como aborda as questões com Portugal (que cada vez mais trata como uma das suas regiões autónomas) e também com outros países da União Europeia.

A forma como se vem encarando no nosso país a problemática associada aos transportes e muito especialmente à rede de alta velocidade mostra bem que “estamos a perder o comboio”.

JPP
Lisboa, Março de 2006

1 Comments:

At 3/11/2006 2:21 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Cunhal dizia até à vitória final. O Bloco Central diz até à derrota final...
Uma questão de termos ideológicos.

 

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