terça-feira, junho 20, 2006

EMEF, S.A.: empresa ou “instrumento” ?

Parece legítimo presumir que a decisão de criação da EMEF em 1993 através da segregação da actividade industrial da CP tenha tido por base alguns dos objectivos estratégicos que habitualmente subjazem a outros spin offs empresariais, a saber:

a) Libertação por parte da empresa-mãe de actividades que não constituíam o seu core business, permitindo assim uma maior atenção sobre o verdadeiro negócio;

b) Ganhos de eficiência e eficácia na actividade segregada, já que esta passaria a estar sujeita a uma gestão independente, flexível e “empresarialmente” responsabilizada com objectivos económico-finaceiros a cumprir e

c) Acesso a novos mercados, nacionais e internacionais, acesso possibilitado pela agilidade inerente ao modelo empresarial adoptado;

Uma análise retrospectiva minimamente atenta indica, porém, que tais objectivos não só não foram conseguidos como a própria situação económica e financeira da Participada se veio a agravar ano após ano a ponto de, ultrapassados largamente os limites da falência técnica, serem já necessárias dotações de muitos milhões de euros para a recomposição dos seus Capitais Próprios.

São diversos os pareceres externos, de consultores e auditores, que apontam como razão deste descalabro essencialmente um problema de pricing. Isto é: não obstante as importantes reduções de custos conseguidas de 2000 a 2004 através, designadamente, da diminuição do efectivo em muitas centenas de pessoas, o Cliente/Accionista único fora sempre renitente em aceitar preçários que cobrissem os custos reais, ou mesmo, nos casos em que o benchmark era aplicável, equivalessem a preços do mercado.

Mas estas são apenas as razões directas ou imediatas, que radicam numa outra grande razão de fundo, um equívoco fundamental .

Tem a ver com a estrutura accionista da EMEF - participada da CP/Cliente em 100% - e com os actos que esta estrutura possibilita, ao “parecer” que legitima intromissões directas do Cliente/Accionista na gestão da Participada, seja por manipulações cosmético-contabilísticas de legalidade discutível e ética reprovável, seja pela sua própria instrumentalização comercial, de que o atrás referido “preçário de conveniência” é também exemplo. Tudo isto, ao fim e ao cabo, resultado do que a incongruência genética de uma tal dependência accionista pode proporcionar num certo Sector Empresarial que, por ser do Estado ou de todos nós, mais se lhe exigiria a aplicação do tão apregoado primado da gestão séria e competente .

Até porque a EMEF não é ( ou não era...) uma empresa qualquer no contexto nacional.

A EMEF é, tão somente, de acordo com os indicadores correntes de dimensão empresarial, ( volume de vendas, número de trabalhadores e extensão geográfica ), a maior unidade produtiva dedicada à actividade metalo-mecânica. Acrescendo a esta importância dimensional a indiscutível e elevadíssima responsabilidade da sua missão ( zelar pela manutenção, em segurança, de material circulante que transporta pessoas e bens ) bem como o valioso capital de know how que lhe advém dos seus Quadros técnicos e dirigentes, quase todos oriundos da empresa mãe CP.

Ou seja, um conjunto de ponderosas razões que determinariam que a EMEF funcionasse efectivamente “como empresa”, o que não tem acontecido com o enquadramento accionista actual e que, portanto, se reconhecida a indispensabilidade e importância dessa grande unidade produtiva, justificaria plenamente a sua passagem a um relacionamento directo com o Estado.

E note-se que não só tal não implicaria a alteração do seu actual estatuto jurídico da Sociedade Anónima ( e o valor da transacção não teria qualquer relevância financeira dado o valor actual doa Capitais Próprios da Empresa ), como seriam inúmeras as vantagens dessa alteração de dependência, a saber: a) Maior transparência e contratualização “de facto” com a CP, evitando-se assim a actual subsidiação cruzada; b) Melhoria da eficiência e aproximação às “boas práticas” internacionais ( caso da Suécia ) pela adopção de autêncticas regras de mercado; c) Aumento da especialização dos intervenientes, permitido a cada empresa pública ou de capitais públicos actuante no sector ferroviário, concentrar-se no seu objecto social: a CP e outros operadores na actividade de operadores ferroviários, a REFER na de gestor de infraestruturas e a EMEF na de empresa prestadora de serviços de manutenção e reparação.

Esta foi, de resto, a linha de pensamento que presidiu ao chamado “Pacote Ferroviário”, sendo de lamentar que na sua transposição para a Ordem Jurídica Portuguesa não tivesse sido consignado como chegou a ser proposto ( e com plena justificação, dadas as preocupações do Diploma em matéria de segurança ) a figura do “Operador de Manutenção Ferroviária”, aplicável não só à EMEF mas a qualquer empresa que viesse a exercer tal função .

Mas seja como for, uma coisa é certa. A EMEF SA é um “caso” demasiado sério para continuar como até aqui: sob uma dependência accionista geradora de actuações amadorísticas e de alto risco potencial.

Lisboa, 16 de Junho de 2006