quinta-feira, abril 27, 2006

OTA – uma localização para o Novo Aeroporto Internacional de Lisboa que merece ser discutida

Falar da OTA entrou no dia-a-dia dos Portugueses. Há os que defendem a OTA, os que são contra a OTA. Nestas trocas de opiniões, esgrimem-se argumentos, analisam-se cenários, mas, no final, surge sempre alguém que, com um sorriso nos lábios, diz que não vale a pena discutir ou analisar o que quer que seja porque a decisão está tomada. Julga-se que esta estratégia de determinismo político, subjacente à problemática da localização do Novo Aeroporto de Lisboa que tem sido seguida mais recentemente, não é a adequada, porque pode levar a tomar decisões que são contrárias aos interesses de Portugal, a curto, médio ou longo prazo.

Nesse sentido entende-se que se deve privilegiar a discussão desta temática de forma mais abrangente de modo que a localização do Novo Aeroporto de Lisboa, que se considera de grande relevância nacional e de importância fundamental para o desenvolvimento das valências nacionais, não seja distorcida e se torne num “elefante branco” que nos custe muito, sem dele se tirar o proveito que se antecipara.

Nas últimas duas décadas, e depois de ter sido levantada a reserva que havia sobre os terrenos em Rio Frio (Península de Setúbal), onde desde os anos 30 do século 20 se previra a construção do Novo Aeroporto Internacional de Lisboa, duas questões tomaram uma nova dimensão: a desactivação do Aeroporto da Portela, com os seus 600 ha em plena área da capital; e a implantação do novo aeroporto na Ota, infelizmente situado a várias dezenas de quilómetros do centro da cidade e na proximidade de uma das serras de maior dimensão da região de Lisboa. Estas duas vertentes, Portela e Ota, estão interligadas porque, para se construir um novo aeroporto na Ota, é necessário que a Portela seja desocupada de infra-estruturas aeronáuticas para nela se instalar um projecto colossal de ocupação imobiliária intensa. E este empreendimento será bem maior do que o envolvido na própria EXPO 98, já que ocupará uma área equivalente à da “Lisboa histórica do século 19”. Mais uma parte do património do Estado, neste caso representado pela vasta superfície do actual Aeroporto da Portela, será vendido aos promotores e investidores imobiliários e será este projecto imenso que permitirá gerar as receitas para a Ota. Como a edificação de imóveis na Portela é equivalente a construir uma cidade dentro da cidade, a enorme área prevista de urbanizar e as correspondentes operações de mediação e de especulação imobiliária tornam este negócio atractivo para qualquer capital financeiro. Deste modo, a venda dos terrenos do actual aeroporto e a sua posterior ocupação com investimentos imobiliários surge como um dos maiores negócios deste inicio do século 21 em Portugal. Sem a desactivação e a ocupação imobiliária da Portela não há Ota e, por isso, ambos os locais estão intimamente associados ao projecto de investimento e de viabilização do Novo Aeroporto.

Mas, o primeiro passo para a inviabilização do aeroporto da Portela já fora iniciado anteriormente com a autorização da implantação das urbanizações nas zonas que lhe ficam a Poente (e nomeadamente com a Alta de Lisboa, activada de forma efectiva em 1998, e que deverá estar concluída em 2015, ano em que seria suposto a Ota entrar em funcionamento e a Portela ser desactivada). A construção imobiliária nestas áreas impediu a expansão da infra-estrutura aeronáutica para Poente. Ora, com a desactivação da Portela, estes projectos de construção e de especulação imobiliária poderão ser prolongados no tempo, porque se estenderão para cima da área agora ocupada pelo Aeroporto (possivelmente, para alguns, talvez seja lícito afirmar que a efectiva desocupação do aeroporto da Portela, com os seus 600 hectares de terreno em plena zona de Lisboa, é bem mais importante do que a construção do novo Aeroporto na Ota ...).

Com os conhecimentos actuais da Engenharia (Civil, Electrotécnica e outras), pode-se fazer um Aeroporto praticamente onde se quiser. No entanto, os custos de construção resultantes serão obviamente diferentes consoante o local seleccionado e o fluxo de receitas geradas também, porque pode ser um investimento que não atraia os clientes que se anteciparam. E as razões para este insucesso poderão ser muito díspares, ou porque se encontra muito longe da cidade ou fora da envolvente estratégica de rendibilidade mínima ou porque a sua operação é deficiente e as taxas de utilização demasiado onerosas ou porque a nova infra-estrutura não tem as acessibilidades rodoviárias e ferroviárias que funcionem como um verdadeiro polo gerador de dinamização.

Ora, a questão da Ota não tem só a ver com uma má localização do Aeroporto em relação a Lisboa e ao País, ou com piores questões de navegabilidade e de segurança aéreas, ou com custos de construção mais elevados, ou com custos maiores de operação, ou com uma opção desastrada que possa ser corrigida com medidas mitigadoras. A decisão de localizar o novo Aeroporto de Lisboa na Ota parece acarretar decisões irreparáveis no curto, médio e longo prazo porque impõe condicionantes incontornáveis para todo o desenvolvimento da rede de infra-estruturas de transporte e da rede de pólos de crescimento industrial e de apoios logísticos, que são necessários para o abastecimento e o escoamento de produtos.

Tendo em consideração as suas excelentes características geomorfológicas, geotécnicas, aeronáuticas, e de posicionamento geográfico (em termos demográficos e de infra-estruturas de transporte existentes), tudo parece indicar que, a solução técnica mais adequada para a instalação do Novo Aeroporto de Lisboa seria a Península de Setúbal, ocupando uma zona que vai do Rio Frio ao Poceirão. O local do novo Aeroporto tornar-se-ia num interface ideal, interligado com os portos de Setúbal, Sines e Lisboa, a curta distância da capital e servido pela linha de alta velocidade ferroviária que descendo do Minho se estenderia até ao Algarve, com ligações a Salamaca – Irun e Badajoz- Madrid.

A solução Ota comparada com uma alternativa na Península de Setúbal (Rio Frio ou outra próxima) é bem pior porque obriga a opções desastrosas para a implantação do traçado da rede de Alta Velocidade Ferroviária e das bases logísticas que Portugal necessita para se desenvolver. Está descentrada em relação ao eixo Lisboa-Setúbal, que neste momento ainda é um dos maiores centros de desenvolvimento do País e a zona onde se concentra uma grande parte da população nacional; fica descentrada em relação ao eixo Lisboa – Évora – Badajoz, por onde passa a estrada europeia que liga as duas capitais da Península e por onde se espera que passe uma das linhas de alta velocidade ferroviária; está muito afastada dos portos de Lisboa, de Setúbal e de Sines. Enfim, perante estas questões e outras que vão surgindo, quais são as vantagens de localizar o Novo Aeroporto de Lisboa, na Ota?

Contudo, por vezes, tem-se a sensação de que não são o bom-senso e a racionalidade, mas outros poderes que fazem girar o País e que levam os governos e as autarquias a tomar decisões lamentáveis que inviabilizam as opções lógicas e as mais correctas e que comprometem o próprio Futuro de Portugal. Por exemplo, ultimamente têm vindo a público, notícias de que se vai construir um projecto imobiliário e turístico nos muitos hectares (mais de 1.500 ha) da Herdade de Rio Frio, no local onde durante mais de 50 anos estivera prevista a construção do Novo Aeroporto Internacional de Lisboa. E semelhante notícia, que é verdade, não deixa de espantar: afinal, uma zona, com as melhores características aeronáuticas da região de Lisboa para nela se instalar um Novo Aeroporto é aparentemente “chumbada” por razões ambientais. Mas a zona que é considerada como desfavorável ambientalmente para instalação de um aeroporto, já serve para nela se fazer um empreendimento imobiliário, sabendo-se que este tipo de ocupação é bem mais gravoso para o Ambiente do que um aeroporto (veja-se a título de exemplo, a zona onde se insere o aeroporto de J. F. K, John Fitzgerald Kennedy, na costa do Estado de Nova Iorque, Estados Unidos, que é quase um santuário para as várias espécies cinegéticas).

Os espanhóis não perderam tempo em operações de mediação e de especulação imobiliária, nem em jogadas de interesse particular, de lucro fácil ou de enriquecimento acelerado, e inauguraram no mês passado um novo aeroporto remodelado em Madrid, em Barajas, que ficou com vários terminais e quatro pistas, duas das quais de 4.000 metros (curiosamente a mesma situação que estava prevista para o Aeroporto de Rio Frio...). Anseiam por fazer ali um “hub” ou placa giratória, que sirva toda a Península e que, paralelamente, seja o equivalente no Sudoeste da Europa, ao aeroporto de Atenas, ou ao de Paris, ou ao de Frankfurt. Pretendem os espanhóis que Barajas seja a grande plataforma ibérica para a Europa, para a América Latina e para a África. Ora, estes objectivos são coincidentes com os que Portugal defende ao pretender construir um novo aeroporto na zona de Lisboa. Curiosamente a distância a que Barajas se encontra do centro de Madrid é metade da que medeia entre o pretenso Aeroporto da Ota e o centro de Lisboa. Ao implantar-se o aeroporto na Ota, arriscamo-nos a dar logo a resposta (errada) a toda esta problemática, e neste caso, os espanhóis nem precisam de injectar dinheiro na IBERIA para comprar a TAP AIR PORTUGAL, para eliminarem ou controlarem esta concorrente na sua estratégia de expansão... Neste momento, é sabido que o aeroporto de Barajas está muito subaproveitado, mas os seus promotores indicam que ele é para durar por mais 50 anos. O que parece certo, é que um novo Aeroporto em Lisboa terá de ter em consideração esta realidade, pois, caso contrário, pelo menos uma das infra-estruturas aeronáuticas, Barajas ou Lisboa, poder-se-á tornar num elefante branco....

Se se reparar, quem defende a Ota nunca equacionou o aproveitamento das excelentes características aeronáuticas da Portela por forma a manter para os vindouros uma infra-estrutura deste tipo no centro da cidade de Lisboa. A política de manter ou fazer aeroportos, de pequena e média dimensão, no centro das capitais económicas e políticas, tem vindo a ser implementada pelas cidades mais relevantes da Europa e fora dela, como forma de dar uma resposta eficaz aos interesses dos investidores e dos agentes económicos, que, cada vez mais, utilizam as suas próprias aeronaves para as deslocações de negócios. Recorreu-se a esta estratégia em vários locais por esse Mundo fora e veja-se, a título de exemplo, os casos de Londres (aeroporto da City), ou de Paris (aeroporto de Roissy), ou de S. Paulo ou do Rio de Janeiro. A solução de manter uma infra-estrutura aeronáutica na Portela deveria ser considerada porque se trata de manter um aeroporto a escassos minutos do centro da capital, o que se traduz para Lisboa em valências competitivas que outras cidades já não têm.

Os grupos de pressão que sempre se movem junto do poder ou no próprio poder podem levar a tomar posições menos reflectidas que, sendo favoráveis aos seus interesses, poderão ser prejudiciais ao interesse nacional. Por isso, tem de se evitar que as soluções escolhidas sejam opções distorcidas e deficientemente concebidas que nos afectam a todos e lesam o Futuro do País, ou passem por alternativas nebulosas, mal estudadas e mal explicadas, com contornos dúbios e de resultados imprevisíveis.

Entende-se que a escolha da localização do Novo Aeroporto de Lisboa deveria obedecer a uma metodologia baseada em parâmetros mais técnicos, por exemplo, saber qual seria a melhor opção, em termos de acessibilidade à capital, de vantagens aeronáuticas, meteorológicas ou de custos de construção; analisar a situação em termos de estratégia de localização de novas plataformas logísticas nacionais; estudar uma visão de conjunto de todo o território nacional por forma a assegurar uma inter-modalidade adequada e uma optimização das redes rodoviárias, ferroviárias, e de acesso aos portos e às zonas potencialmente utilizadas pelos turistas; ligar o interface à rede de alta velocidade ferroviária; afinal analisar a melhor localização para servir mais fácil e rapidamente e a menor custo quem mais utilizará aquele aeroporto, sejam passageiros, sejam empresários que movimentam mercadorias, sejam os operadores.

Nesta questão da selecção do melhor local para o Novo Aeroporto de Lisboa, caso não se adopte uma estratégia técnica, baseada em princípios lógicos, transparentes e abrangentes, o poder em Portugal arrisca-se a tomar decisões que talvez possam servir alguns promotores ou construtores imobiliários ou até outros investidores e políticos, mas que não defendem o conjunto global dos Portugueses, a médio e longo prazo, e contribuem para uma espiral de decadência do nosso País, numa queda que nos arrasta a todos e a quase todos prejudica.

JPP
Lisboa, Abril de 2006

quarta-feira, abril 26, 2006

A TRAVESSIA FERROVIÁRIA DO TEJO

Com as recentes declarações da Senhora Secretária de Estado dos Transportes sobre a provável criação na Margem Sul do Tejo de uma grande plataforma logística (PL), bem articulada com os portos do Sul, e a concomitante informação do Senhor Presidente do porto de Lisboa de que está a ser considerado o desenvolvimento do lado Sul do porto que dirige, designadamente no Barreiro e na zona de águas profundas da Trafaria, começa a ganhar contornos um dos elementos fundamentais do sistema nacional de transportes, mormente na AML.

Em trabalho já incerto neste blog se demonstra a inevitabilidade, quase consensual aliás, da localização da nova Estação Central de Lisboa (ECL) no vale de Chelas/Olaias.

É elementar compreender que o acesso a Lisboa dos futuros comboios de alta velocidade e bitola europeia (AV/BE) se deve fazer por um único itinerário, face ao elevado montante do investimento, qualquer que seja o traçado. O acesso pelo Barreiro, atravessando o estuário do Tejo, por ser excessivamente para Sul, prejudica a ligação ao Centro e ao Norte do País. O acesso pela margem direita do Tejo prejudica as ligações a Madrid e ao Sul do País. A solução mais vantajosa, sempre preconizada ao longo de 150 anos de história ferroviária, é a que considera a travessia do Tejo pela Península do Montijo. É aí que o estuário do Tejo, a montante de Cacilhas, se estreita mais e, situando-se a referida península no paralelo de Lisboa, a respectiva travessia servirá equilibradamente as três relações.

Como é sabido na sequência da escolha da localização da Ponte Vasco da Gama (acertada, aliás, por ficar na continuidade da CRIL), para esboroar a contestação o então Ministro das Obras Públicas anunciou que um dia se faria outra ponte pelo Barreiro decretando a reserva do espaço canal. Com os anos essa solução foi ganhando raízes embora dificilmente resista a uma boa análise sobre o futuro sistema de transportes.

Uma outra questão relacionada é a do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL). O País está cada dia mais consciente do absurdo da escolha da localização na OTA. Porque não existirá um único Quadro português reconhecidamente qualificado no domínio do transporte aéreo que concorde com essa opção? Porque afirma o mais conceituado especialista português em matéria de aeroportos que se o País tentasse escolher a pior solução para um NAL a escolha recairia sobre a OTA? A Margem Sul do Tejo, como já reconheceu o primeiro estudo técnico realizado, oferece as melhores opções. O Campo de Tiro de Alcochete, um território plano com cerca de sete mil hectares, propriedade do Estado, já fora dos principais fluxos migratórios das aves que vitimaram o Rio Frio, situado a cerca de metade da distância da OTA ao centro de Lisboa, oferece condições ímpares para a localização do NAL. E oferece ainda potencialidades de expansão imensas ao NAL! E território disponível para reinstalar o Campo de Tiro, se ele for ainda necessário, é o que não faltará!

Como é evidente se o NAL se justapuser ao nó ferroviário da nova rede de AV/BE, isto é se os novos comboios de ligação de Lisboa com Madrid, com o Porto e com o Algarve servirem o NAL, que modelo perfeito estamos a criar para o nosso sistema de transportes! E claro que a futura PL deve ser articulada com esse nó ferroviário e com o NAL.

A travessia ferroviária do Tejo, seja em túnel, seja em ponte, pode ser exclusiva de passageiros, o que permite pendentes até 40 m/km, e dispor de uma única via dupla de bitola europeia. Nesse troço entre Chelas/Olaias e Alcochete os comboios de AV, os suburbanos até ao Pinhal Novo e a Navette com o NAL podem circular a uma velocidade homogénea da ordem dos 150 km/h, permitindo, além do mais, que, se a travessia se fizer em túnel, este possa ser de secção simples. Essa via dupla de AV/BE terá uma capacidade máxima de 20 circulações por hora e por sentido, não sendo previsível que a procura se situe, nas primeiras décadas do seu funcionamento, acima de metade dessa capacidade.

A nova rede de AV/BE, para lá do referido nó, deve ser apta para tráfego misto para assim dar curso ao tráfego de mercadorias que tem como elemento estruturante a PL. Todavia a distribuição local das mercadorias a partir da PL deverá ser feita por via rodoviária com recurso à Ponte Vasco da Gama, à CRIL e à CREL.

Portugal tem, na região de Lisboa, condições raras, para poder dispor de um harmonioso e eficaz sistema de logística e de transportes, capaz de servir a sua economia e de ser o suporte à sua competitividade e ao seu desenvolvimento. Assim saibam os seus Dirigentes libertar-se das ideias fixas e das teias de interesses que os tentam condicionar!