segunda-feira, junho 26, 2006

Do Aeroporto da Portela, uma “solução actual sem Futuro” ao Aeroporto da Ota, “uma possível solução de Futuro sem solução”

Comecei a alinhavar estas linhas algumas horas depois de se ter terminado a última das sessões sobre a Ota, e que foram promovidas pela ADFER, e dei comigo a ficar muito apreensivo com o meu País, possivelmente porque, mais uma vez, tomei consciência de que muitas decisões fundamentais para Portugal, são tomadas apenas por um círculo restrito e fechado de “iluminados” e pretensos sábios e sabedores, com base nuns quaisquer relatórios que alguém lhes fez, muitas vezes “por encomenda” ou com conclusões “a pedido”. E essa informação pretensa e perversamente técnica, facilmente convenceu os governantes e a sua envolvente política e partidária. Ora, no curto espaço de tempo em que estão no poder, esses todo-poderosos possuem a “caneta de ouro” que lhes permite tomar decisões e adjudicar estudos, projectos e obras, num rosário de interesses e benesses que põe o País a andar. E quem os rodeia e vai beneficiando deles e da sua posição, tal como na “história do Rei vai nu”, vai-os “vestindo” de loas e de relatórios, de ornamentos e de falsos argumentos. Quando os decisores ficam apeados, ou quando surge alguém a questionar esta ou aquela questão, os seus anteriores colaboradores são também os primeiros a pôr-se de lado, quase se tornando mais críticos do que os que estavam de fora e que foram confrontados com uma realidade pobre, mal concebida e mal estudada.

Vem esta ideia a propósito do novo aeroporto da Ota: muito me surpreendeu que, para além dos ministros que optaram ou permitiram essa solução, e que corajosamente a defenderam, não se conseguissem encontrar técnicos a defender a localização do Novo Aeroporto de Lisboa na Ota, e apenas na última sessão falaram a favor dela os elementos do agrupamento de projecto contratado pelo Governo para implementar a solução, um dos quais estrangeiro.

Confesso que estava à espera que a solução da Ota, a solução oficial que foi adoptada e apresentada com tanta pompa e circunstância ainda há tão pouco tempo, estivesse mais consolidada e consubstanciada ou talvez porque não contava que os argumentos patenteados pelos defensores dessa solução soubessem a tão pouco. Não foi o ainda actual Ministro das Finanças que afirmou não haver dúvidas de que a Ota era uma solução sem qualquer contestação, a melhor solução técnica! Afinal descobriu-se que a Ota era um “gigante com pés de barro”, uma solução que nos meios técnicos ninguém defende, e que os próprios promotores daquela localização argumentam ser uma solução possível, mas não a ideal e que fora preferida a Rio Frio porque os ambientalistas tinham optado por ela como a menos desfavorável. Afinal, onde se encontravam os argumentos técnicos, os estudos consistentes que levavam a privilegiar a Ota em detrimento das outras alternativas ?...

Também fiquei surpreendido com os comentários de alguns (felizmente muito e muito poucos) que foram particularmente hostis para um qualquer orador ou que entendiam que deveria ter sido convidado fulano de tal porque representava melhor a opinião do partido do Governo ou da Oposição. Sei que há sempre vozes discordantes e injustas, muitas vezes cheias de boas intenções e dessas não há que ter receio. Outras são bem piores porque têm um carácter malévolo e direccionado para atingir outros fins, são simples mentiras, mas que vindo de quem vêm são sempre perigosas e desonestas porque apenas procuram despromover ou desqualificar aleivosamente uma qualquer pessoa ou técnico. Estes últimos críticos, sejam eles universitários, gestores ou simples técnicos e que são geralmente, eles sim, de uma mediocridade confrangedora, vivem precisamente deste clima de contraditório e, muitas vezes, atingem os seus fins porque quem está no poder tem medo das potenciais críticas e comentários que esses pretensos “doutrinadores” lhes poderão fazer.

Entendo que todos os oradores das sessões deram um contributo positivo e válido, já que a sua capacidade de exposição, o seu saber técnico, as informações que trouxeram a público ou a sua coragem e empenho se tornaram patentes ao longo dos vários dias e contribuíram de forma, que julgo clara e evidente, para esclarecer quem assistiu, sobre a cronologia e as opções que foram sendo tomadas, e, sobretudo sobre as vantagens e as desvantagens da solução Ota e das outras soluções, sobre os critérios que levaram a seleccionar a Ota, e sobre o que se pode esperar ainda da Portela.

Curiosamente vale a pena referir que muitos potenciais oradores quando colocados perante uma eventual intervenção numa sessão pública sobre a Ota referiam que a sua opinião era contra a Ota mas que não podiam dizê-lo publicamente porque isso poderia ser considerado hostil à decisão oficial e receavam repercussões profissionais dessa atitude. Outra situação, bem mais grave, foi que não foi possível encontrar técnicos que defendessem a Ota, para além eventualmente dos que dirigiam ou integravam a equipa que estava a levar por diante os estudos e projectos actuais. Ao procurar saber quem deveria ser um orador pró-Ota, engenheiro ou piloto, e que melhor poderia gerar um debate entre as pessoas a favor e contra a Ota, apenas se falava de nomes de políticos, de governantes ou de gestores públicos, muitas vezes licenciados em Direito, Sociologia ou noutra qualquer licenciatura, quando não de jornalistas. Ora, para sessões que se procurava que fossem não políticas e de carácter técnico, não seria propriamente esse o tipo de oradores que seria desejável.

Quem assistiu às sessões verificou que a opção Ota não é uma solução ideal ou consensual, contrariamente ao que dizia o Ministro das Finanças. Muito longe disso! Todos os oradores, mesmo os que estavam a favor, reconheceram que era uma solução “coxa” e muito menos favorável do que outras em múltiplos aspectos técnicos, nomeadamente sob o ponto de vista aeronáutico e de construção civil. Parece ser óbvio, que devem ser as condições aeronáuticas as que devem ser consideradas essencialmente quando se procura escolher um aeroporto, e por isso se devem evitar locais com grande número de dias de nevoeiro ou com tecto de nebulosidade baixo, onde haja maior incidência de ventos cruzados, ou onde ocorram obstáculos naturais nos circuitos de aproximação ou de descolagem. A Ota não é a solução mais favorável sob este ponto de vista. Mas não só! Para se conseguir encaixar o aeroporto na Ota foi necessário fazer um exercício geométrico difícil de modo a se respeitarem os requisitos aeronáuticos e nomeadamente as superfícies de desobstrução requeridas. E as pistas sofreram em operacionalidade com essas dificuldades. Também se conseguiram meter a custo os lugares de estacionamento. E as operações de voo são afectadas em conformidade com estas restrições. Claro que se podem fazer comentários soltos para a plateia, mostrando figuras de manuais da ICAO (International Civil Aviation Organization) com os valores teóricos de movimentos para pistas paralelas e se pode argumentar que no Futuro os aviões serão direccionados por satélite, e que, portanto podem operar independentemente das condições meteorológicas, sem aterragens falhadas, e sem receio de obstáculos naturais. Mas, não se pode iludir a realidade... Sob o ponto de vista aeronáutico e quando confrontada com muitas outras alternativas na região de Lisboa, a Ota está muito longe de ser a melhor solução... Também ninguém rebateu que era uma solução mais desfavorável do que outras em relação à proximidade a Lisboa (basta contar os quilómetros ...) e às acessibilidades inexistentes. Era também mais desfavorável em relação aos custos de construção já que a topografia na Ota é muito declivosa sendo necessárias vultuosas operações de terraplenagem para modelar o terreno, remover as colinas que são obstáculos aeronáuticos, e aterrar os vales que estão preenchidos com aluviões fracas. Consequentemente, para além dos custos acrescidos, os tempos de execução são mais dilatados do que opções em terreno mais plano. Até em relação ao mais recente plano nacional de bases logísticas, apresentado nos últimos tempos pelo Governo onde se antecipa a construção dessas plataformas logísticas no Poceirão e também em Lisboa, a Ota está deslocada e não foi contemplada, o que é estranho porque um Aeroporto é, por si só e por natureza, uma base logística. Para o ano de arranque (2017), previram-se 79 movimentos por ano (uma só pista VFR, regras de voo à vista, poderia permitir esta situação, e note-se que duas pistas paralelas têm capacidade teórica para 99 a 119 movimentos por hora em IFR, regras de voo por instrumentos...), 62 posições de estacionamento (quase tantas como actualmente na Portela...) e 19 milhões de passageiros por ano (a Portela já chegou em 2005 aos 11,2 milhões de passageiros por ano...) E pensar em expandir o aeroporto na Ota, depois do ano horizonte que é 2039 parece estar no domínio das conjecturas improváveis, e nesse ano ele apenas teria capacidade para 50 milhões de passageiros (para comparação, Madrid tem actualmente já entre 40 e 50 milhões de passageiros ...). Se agora não se escolher um local com possibilidade de expansão, e se se optar pela Ota, quando se atingir o ano horizonte o que acontece daqui a menos de 50 anos, a quantos quilómetros de Lisboa se irá construir o próximo aeroporto, tendo em conta todas as condicionantes ambientais e outras inerentes à construção de um aeroporto? Todas estas razões apontam já para a implantação do novo aeroporto, o mais próximo possível de Lisboa, numa zona com características aeronáuticas favoráveis, onde os custos de construção sejam baixos, com possibilidades de expansão e que funcione como um centro de intermodalidade e de Futuro. Obviamente, que basta olhar para um mapa com as condicionantes orográficas e com a ocupação do Território para se concluir que várias zonas da Península de Setúbal respondem facilmente a estes critérios (por enquanto) e deverá ser ali que se deveria implantar o novo Aeroporto de Lisboa.

Enfim depois deste rosário de desvantagens, quais são afinal as vantagens da localização do Novo Aeroporto de Lisboa na Ota? Embora um dos oradores tivesse argumentado que ela permitiria servir uma “área poli-nucleada” a Norte de Lisboa, de facto, para além da “questão ambiental” não houve ninguém que apresentasse vantagens de ordem técnica. Foi referido pelos 3 intervenientes portugueses que defenderam a Ota (2 oradores e um participante nos debates) que ela seria a única opção possível porque Rio Frio fora “chumbado” ambientalmente. Esta situação não está correctamente colocada e está mesmo deturpada porque os dois locais, Ota e Rio Frio, foram “chumbados” por critérios ambientais... Curiosamente em 1994, Rio Frio foi considerado melhor em termos ambientais do que a Ota, e depois, mais tarde, a situação inverteu-se. Espanta por isso que os defensores da Ota não questionem os critérios, os pressupostos ou o próprio estudo ambiental e optem por comodamente aceitarem tudo o que lhes é dito. Num estudo de impacte ambiental aparece uma matriz de prós e de contras, de custos e de benefícios, de vantagens e de desvantagens, que depois se traduz em valores numéricos para se poderem comparar alternativas entre si, o que se faz atribuindo pesos aos vários aspectos e ponderando os parâmetros, dando maior ou menor peso para se fazer realçar esta ou aquela valência que se considera ser mais relevante. Este tipo de análises multicritério deve ser considerado como uma simples ferramenta e não como uma verdade absoluta porque fazendo variar este ou aquele critério ou este ou aquele peso obtêm-se os resultados mais diversos. Infelizmente, a análise multicritério tem sido a “comida”, tantas vezes envenenada, que se dá a qualquer político ou gestor, incompetente, ignorante ou medíocre, para ele poder tomar uma opção porque, não dominando a parte técnica, fica extasiado e respira de satisfação quando vê surgir na sua frente um quadro onde lhe aparece a “opção melhor” que ele tem de escolher de entre um conjunto delas, e elas até aparecem hierarquizadas da primeira para a última. Afinal, esses políticos ou gestores deveriam perceber (mas geralmente não percebem ...) que bastaria mudar um ou outro critério e sobretudo um ou outro peso de um critério, para se obter ou fazer sair o que muito bem se quiser...

Há uns anos, estive envolvido num projecto onde a certa altura surgiu contestação da parte da população local e houve que tomar uma decisão de elaborar um estudo de alternativas para comparar várias outras soluções em termos ambientais embora os estudos estivessem a avançar já numa bem definida (e em minha opinião, bem escolhida). Foi contactado um certo professor universitário e respectiva equipa. Na primeira reunião que houve para discussão desse problema, ele, recém chegado a esta matéria, afirmou logo que não tinha dúvidas que a opção que estava a ser estudada era a melhor, o que me fez questioná-lo jocosamente porque é que nesse caso o Estado iria gastar dinheiro com esse estudo, e também jocosamente me foi respondido que era para se ter uma “base técnica” para se calarem os contestatários...

O texto já vai longo pelo que não se fazem comentários sobre a Portela que ainda é o Aeroporto de Lisboa e que foi sendo afectado nas últimas dezenas de anos pelas sucessivas urbanizações que deixaram construir o que impediu a sua potencial expansão normal. A História talvez mostre quem foram os responsáveis desta situação e os interesses a que estão ligados.

Nestas linhas gostaria de referir algo que me marcou embora não me surpreendesse. Logo quando começaram as sessões sobre a Ota, ou mesmo antes, quando elas foram anunciadas, começou a surgir uma onda de notícias nos órgãos de comunicação social alegando que o aeroporto da Portela estava “a rebentar pelas costuras” o que tornava fundamental a construção do aeroporto na Ota. Logo no dia a seguir à primeira sessão, realizada no Instituto Superior Técnico, e onde nenhum dos professores intervenientes defendeu a Ota tendo todos apontado para uma opção na Península de Setúbal, o próprio responsável do organismo que tutela o projecto do Novo Aeroporto de Lisboa fez afirmações deste tipo a que os órgãos oficiosos deram uma particular cobertura. Mais tarde, vieram a público, informações de que tinha sido contratada uma Agência de Informação para tratar do problema da Ota. E muitas pessoas se questionaram sobre o que é isso de uma Agência de Informação, porque não se sabe verdadeiramente em que consiste, porque não é uma televisão, não é uma rádio, não é um jornal, não é um dono de um órgão de comunicação social, mas tão somente um grupo de pressão, uma empresa que paga a jornalistas para eles proporcionarem ao público a “informação correcta e independente” que eles pretendem dar, ou dito de outro modo, para eles fazerem entrevistas, escreverem, falarem ou porem as notícias que interessa a quem lhes paga. Quem faz um acordo com essas Agências, paga um certo valor e em contrapartida sabe que vai ter uma notícia na primeira página ou na página interior de uma ou mais edições do jornal diário ou semanário, na rádio e na televisão, e os preços variam em conformidade com o destaque e a insistência da notícia ou notícias veiculadas. Como é evidente, as notícias não caem do Céu e são redigidas por alguém e colocadas por outro alguém. Não sei se se trata de uma versão portuguesa da denominada “independência” dos órgãos de comunicação social, mas em vez de haver um jornal oficioso do Governo, do Regímen ou da Situação do tipo “Diário de Notícias de antigamente”, surgem em todos os Ministérios, Secretarias de Estado, instituições públicas e para-públicas, as rúbricas de despesas de comunicação que servem para pagar a essas agências de informação e aos denominados assessores de imprensa encartados. Com Agências de Informação e jornalistas pagos, se conseguem silenciar todos os que têm ideias contrárias, e se distorcem e deturpam os factos e as realidades. Mas, mais grave é que ninguém pode fazer nada contra essa aldrabice encapotada, contra essa censura não declarada, mas efectiva, que cada vez mais se torna o símbolo do poder em Portugal...

As notícias que foram veiculadas por vários órgãos de comunicação social sobre as sessões realizadas sobre a Ota, mostram bem que o que é uma máquina de Propaganda bem gerida e montada, que apesar de uma escrita pobre e medíocre, distorce o que se diz, deturpa a realidade do que aconteceu, se engana propositadamente nos nomes, junta abusivamente notícias encapsulando o essencial em aspectos perfeitamente triviais, e que apenas servem os interesses de quem lhes paga. Esperemos que a verdade um dia venha ao de cima como o azeite que acaba sempre por sobrenadar por cima da água.

E enquanto se discutem estas e outras grandes questões do País, o tempo vai passando e nada se faz. O que seria necessário para o nosso desenvolvimento, como está mal concebido e mal preparado, fica só no Papel; e o que deveria ser o Futuro nunca será Presente, e o actual Presente já é coisa do Passado... E a Europa vai avançando, agora também com a Espanha, e Portugal vai ficando para trás, a ver passar naqueles outros países, os comboios de alta velocidade, e a surpreender-se por ali já estarem construídos ou estarem em vias de construção, os aeroportos e os portos que permitirão construir o Amanhã dessas Nações e da Europa.

JPP
Lisboa, Junho de 2006