quinta-feira, julho 06, 2006

O CAMINHO-DE-FERRO E O NOVO AEROPORTO

Muitos Quadros do sector ferroviário se têm interrogado sobre as razões de muitos de nós, igualmente com fortes ligações ao caminho-de-ferro, para despendermos tamanho esforço na defesa de uma solução equilibrada para o futuro aeroporto de Lisboa. O próprio Sindefer, no seu site, pela pena do seu Presidente, hoje em dia um dos raros líderes político-sindicais que se bate com vigor pela clarificação e pela moralização do sector ferroviário, tem feito essa observação.

Como é sabido a viciada escolha da localização do novo aeroporto na Ota foi feita sem ter em conta a sua acessibilidade ferroviária, sem cuidar de saber do desenho da futura rede de alta velocidade e da interdependência entre as duas infra-estruturas e do impacto que a nova rede ferroviária irá ter sobre o tráfego aeroportuário. A precipitada e errada escolha da localização do novo aeroporto na Ota provocará um nó cego em todo o sistema de transportes da região de Lisboa, como se procurou explicar em artigo que pode ser lido no site da ADFER. A nova rede de alta velocidade e o novo aeroporto de Lisboa deveriam ser equacionados em conjunto. É fácil de compreender que se hoje ainda não é conhecido o desenho da nova rede na Área Metropolitana de Lisboa isso se deve sobretudo ao problema da Ota. Imagina-se a inquietação que deve causar à Eng.ª Ana Paula Vitorino, que ao contrário de outros seus colegas do Governo, sabe bem o que é um sistema integrado de transportes, a «solução» da Ota.

Portugal tem condições para planear e construir um sistema integrado de transportes ideal. Por razões de custo o acesso a Lisboa dos comboios de alta velocidade deve fazer-se por um único eixo, qualquer que ele seja. O novo aeroporto de Lisboa deve situar-se o mais próximo possível da cidade de Lisboa e junto ao Nó ferroviário da futura rede, do qual derivem as ligações com o Porto, com Madrid e com o Algarve. As acessibilidades da Área M. de Lisboa e das principais cidades e regiões do País e das vizinhas Comunidades Autónomas da Espanha seriam máximas.É por isso que, alheios a todo o tipo de interesses privados, entendemos que o novo aeroporto só pode situar-se na margem esquerda do Tejo, o mais próximo possível do paralelo geográfico de Lisboa, onde, apesar das asfixiantes zonas de protecção ecológica, ainda estão livres vastas regiões planas do território capazes de viabilizar ousadas infra-estruturas integradas do sistema de transportes. Por essa mesma razão a melhor directriz para o acesso a Lisboa é pela Península do Montijo. Como sabem os especialistas que conhecem bem o estuário do Tejo e as diferentes técnicas para a sua travessia e são sensíveis ao respectivo impacto ambiental, a melhor opção é a travessia (total ou parcial) em túnel por aquela Península. As «soluções» casuísticas da Ota e da ponte Chelas-Barreiro são perturbadoras e nocivas a todo o sistema de transportes.

Depois de se ter perdido uma década antes de ser criada a RAVE, estamos de novo a marcar passo enquanto a Espanha avança todos os dias. Não fora o elemento perturbador da Ota (e da nova ponte!) e teríamos a nova linha ferroviária Lisboa – Évora – Madrid em marcha e com ela a redefinição de todo o sistema ferroviário nacional, designadamente dos suburbanos de Lisboa.

Quando a ADFER, nas 3 Sessões recentemente realizadas (e noutras iniciativas anteriores) faz xeque-mate à Ota, está a defender a essência do futuro sistema ferroviário nacional (e do próprio sistema de transportes).

segunda-feira, julho 03, 2006

«FRACOS ARGUMENTOS DA NAER» um texto de Rui Rodrigues

O Governo contratou uma agência de comunicação para justificar o aeroporto da Ota. Com efeito, tem-se verificado que a NAER, empresa encarregada do projecto do novo aeroporto, tem feito circular diversas informações através da Imprensa escrita, rádio e televisão, para tentar convencer a população de que a Portela está esgotada e de que há urgência na construção da nova infra-estrutura aeroportuária.



RECUSA DE SLOTS

Mais recentemente, tem surgido na imprensa um novo argumento relativo à recusa de 'slots' na Portela (direitos de aterragem e descolagem) no período do Verão. O número de slots em causa corresponde a apenas 6,8% do total disponível no aeroporto de Lisboa para todo o ano. Os pedidos de slots podem ser rejeitados às horas de pico, contudo, as aeronaves podem aterrar ou descolar em Lisboa noutra altura do dia de menor tráfego. Esta situação também ocorre nos principais aeroportos da Europa como Paris, Londres e em todos esses casos a situação é muito mais grave.

Como exemplo, podemos verificar o que está a ocorrer no aeroporto de Barcelona que, em 2005, teve um tráfego de 27 milhões de passageiros e 307 mil movimentos (aterragens+descolagens). Em 1992, o seu tráfego era de 10 milhões. Hoje tem cerca de 2,5 vezes mais tráfego que a Portela. O aeroporto de Barcelona está a ser ampliado para poder ter capacidade para 40 milhões de passageiros, por ano, e 90 movimentos por hora.

Num artigo do “El País” de 18 de Junho de 2006, foi noticiado que as companhias de baixo custo como a Easyjet, Vueling e Air Berlin vão aumentar substancialmente o número de voos no próximo inverno, no aeroporto de Barcelona. Esta informação foi conhecida após a realização da conferência da IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo) em Vancouver. Só a Vueling concentra 70% da sua actividade no aeroporto de Barcelona.

A grande incógnita será saber o número de slots que a Catair vai obter (nova empresa de voos de baixo custo da Ibéria). A Catair já fez um pedido de 7 mil slots para a próxima temporada e as empresas que competem com esta firma receiam que obtenha slots à custa da desistência de voos regulares da Iberia. Naquela infra-estrutura verifica-se, assim, que as companhias aéreas de baixo custo estão a disputar os slots às horas de maior procura.

A dificuldade em obter slots às horas de maior trafego é um problema comum a muitos aeroportos na Europa. A maneira como a noticia foi dada, no caso da Portela, quase parece sugerir que os aviões são desviados para outros destinos. As horas de maior tráfego na Portela ocorrem nos meses de Verão (Agosto é o mês de pico) e por volta das 8h às 9 h da manhã e entre as 14h e 15h. Nas restantes horas do dia, o número de movimentos é bastante inferior, entre 50% a 75% dos valores máximos.



ANTIGOS ARGUMENTOS DA NAER

O primeiro argumento mais utilizado, no passado, residia no facto de que a Ota teria que ser construída para competir com o aeroporto de Madrid (Barajas). Na documentação da NAER de 1999 (Processo de localização do Novo aeroporto) está escrito que a Ota seria a “Porta Atlântica da Europa”. Quem mais utilizou tal ideia foi o Ex-Ministro João Cravinho, o principal mentor do novo aeroporto, que justificou a sua construção na Ota, a 53 Km a norte de Lisboa, para atrair mercado suficiente para competir com Barajas.

Quem visitar o novo terminal do aeroporto de Barajas, que o irá preparar para uma capacidade de 70 milhões de passageiros e 120 movimentos por hora, rapidamente percebe que tal ideia não tem sentido. Qualquer leigo irá perceber que Barajas pertence a outro “campeonato”. Aliás, este argumento é tão pouco credível que deixou de ser mencionado. Infelizmente, o Ministro Mário Lino e o Primeiro Ministro José Sócrates foram induzidos em erro ao utilizar o mesmo argumento em declarações efectuadas recentemente. No dia 25 de Novembro de 2005, na Gare Marítima de Alcântara, José Sócrates declarou que: “O Aeroporto da Ota não vai tirar trânsito algum ao Porto. O aeroporto da Ota se tirar algum trânsito tirá-lo-á a Madrid e a nenhum outro aeroporto que se localize no território nacional.”

Ninguém, no futuro, irá de Lisboa até à Ota para tomar um avião para o Porto. As anteriores afirmações só podem ser justificadas por falta de informação.



SEGURANÇA

Este tema também foi utilizado e temos que reconhecer que é dos que maior aceitação deve encontrar para pessoas menos informadas. Contudo, na Europa, existem muitos aeroportos onde os aviões, na aproximação, têm que sobrevoar habitações como acontece em Londres, Paris ou Berlim, Nice etc. Além disso, na Ota iria ocorrer exactamente o mesmo problema pois os aviões teriam que sobrevoar o Carregado, onde vivem dezenas de milhar de pessoas.

As fases mais críticas dos voos por instrumentos são a aproximação final e a aterragem. Para regulamentar a operação nestas duas fases, a ICAO (International Civil Aviation Organization), uma agência especializada das Nações Unidas, definiu as seguintes categorias, com o objectivo de garantir com segurança as técnicas da navegação aérea internacional:

Categoria I – Nesta categoria, a aterragem só pode ser efectuada se a visibilidade na pista ou RVR (Runway Visual Range) – distância à qual o piloto de um avião que se encontrar sobre o eixo de uma pista pode ver os sinais de superfície da mesma, ou luzes auxiliares de aproximação, - for igual ou superior a 800 metros (2.400 pés) e o avião estabelecer contacto visual na DA (Decision Altitude – Altitude de Decisão) de 200 pés ou acima.

Categoria II – A aterragem pode ser efectuada se o RVR for igual ou superior a 400 metros (1.200 pés) e o avião estabelecer contacto visual na DA de 100 pés ou acima.

Categoria III – Nesta, existem três subcategorias:

- Cat III A – RVR mínimo 200 metros (600 pés)
- Cat III B – RVR mínimo 100 metros (300 pés)
- Cat III C – RVR zero

Os aeroportos de CAT III possuem melhores condições do que os de CAT II ou CAT I. A Portela preenche os requisitos da CAT III B isto é, tem excelentes condições de navegação aérea, enquanto que a Ota só terá categoria I ou II, muito pior que a da Portela.

Pelas categorias do ICAO fica demonstrado que a Portela garante muito maior fiabilidade que a Ota, por cumprir os requisitos mais importantes, que são determinantes num aeroporto - garantia do cumprimento de horários e realização dos respectivos voos. Para que estas condições se possam verificar, um aeroporto deverá possuir boas condições de navegação aérea e meteorológicas.

A Ota vai ter limitações por não poder ter mias duas pistas, sendo a pista Oeste só utilizada para descolagens, apesar da direcção destas ser diferente da actual pista da Base Militar da Ota. A Serra de Montejunto é um obstáculo natural que iria restringir um hipotético aeroporto naquele local.



USO DE FIGO MADURO


As declarações, por parte de vários responsáveis da ANA, sobre o aproveitamento de Figo Maduro para aumentar a capacidade da Portela têm sido contraditórias, o que gera muitas dúvidas. Em Novembro de 2005, quando foi apresentado o projecto do novo aeroporto de Lisboa, foi dito que a utilização de Figo Maduro não seria efectuada, pois pouca capacidade seria acrescentada. Passados 6 meses, em Maio de 2006, surpreendentemente, é noticiado que, afinal a ANA – Aeroportos de Portugal admite a possibilidade de solicitar a utilização das instalações de Figo Maduro para criar um novo terminal de passageiros que permita aumentar a capacidade actual do aeroporto de Lisboa.

Em Janeiro de 2005, o ex- Presidente da ANA-Aeroportos, Walter Marques publicou um artigo, na revista da empresa que então dirigia, onde escreveu o seguinte texto sobre o aproveitamento, durante o Euro 2004, de Figo Maduro:

“ Refiro-me à criação artificial e provisória de um segundo terminal no período do Euro 2004. Foi um autêntico milagre que se ficou a dever, antes de mais à magnífica articulação com a Força Aérea Portuguesa e, em particular, com o Estado Maior da Força Aérea.”

Estas declarações são o reconhecimento de que Figo Maduro foi uma boa solução para aumentar a capacidade da Portela.

A grande questão que se coloca é que por que razão, passados 2 anos, após Euro 2004 não se aproveitou e melhorou a experiência efectuada que o próprio Ex-presidente da NAER disse que foi um sucesso? Que medidas tomaram os responsáveis da ANA Aeroportos durante este tempo todo? Porque se muda de orientações em escassos meses?



FALTAM PROJECTOS


Em Julho de 2005, após um seminário sobre transportes, o actual Presidente da NAER admitiu desconhecer como é que um comboio de bitola europeia iria circular desde a Ota até ao interior de Lisboa. Na Gare Marítima de Alcântara, em Novembro de 2005, o mesmo se passou com um consultor da NAER (Parsons) que, em Maio de 2006, numa sessão no Alto dos Moinhos, continuou a revelar falta de informação sobre o mesmo assunto.

No dia 1 de Março de 2006, na Comissão de Transportes do Parlamento, o Deputado Luís Rodrigues questionou a Secretária de Estado dos Transportes sobre “como é que o TGV vai entrar em Lisboa e no Porto”. Surpreendentemente, foi respondido que, no final do 1º semestre de 2006, seria apresentada a solução para este grave problema. Infelizmente, até ao dia 30 de Junho, uma vez mais, nada foi anunciado, apesar de a actual equipa das Obras Públicas já estar em funções há 16 meses e a RAVE já existir desde Dezembro do ano de 2000.

Em conclusão, não é com meias verdades postas a circular na imprensa por agências de comunicação que se justificam os grandes investimentos em Obras Públicas mas sim com projectos de engenharia e políticas de Transporte, que nem sequer existem.

Rui Rodrigues
Email: rrodrigues.5@netcabo.pt Site: http://www.maquinistas.org/