quarta-feira, janeiro 03, 2007

CUMPRIU-SE UMA ETAPA DA MINHA VIDA

Arménio Matias

Por se revelar para mim cada dia mais insuportável a situação em que permanecia na CP decidi rescindir com a Empresa que me acolheu, já lá vão mais de 35 anos, apesar de o fazer em condições pouco favoráveis.

Desde que saí da Administração da RAVE, em meados de 2001, que os sucessivos Conselhos de Gerência da CP me não atribuíram qualquer função ou tarefa. Em audiência que pedi para o efeito a cada um dos Presidentes, no início dos seus mandatos, sempre lhes comuniquei que estava ao serviço da CP e aceitaria assumir qualquer função que me fosse atribuída. No entanto, a minha actividade durante esses cinco anos e meio limitou-se à participação em 3 reuniões de Quadros da Empresa, uma convocada por Martins de Brito, outra por António Ramalho e outra por Cardoso dos Reis. De resto lá fui cumprindo, no essencial, o meu dever de assiduidade.

O ostracismo a que fui votado não constitui para mim qualquer complexo, pois a minha influência na evolução do sector ao longo de muitos anos prova que não foram critérios de competência ou de carácter técnico que o determinaram. Nos campos da política, da gestão e do associativismo, por que reparti a minha acção nas últimas décadas, acabei por ter um papel determinante nas mais profundas transformações que ocorreram no sector.

Desde miúdo que possuo condições naturais de liderança, tal como sempre consegui marcar as opções das equipas que fui integrando. Quanto mais inteligente era a personalidade que as liderava mais peso tinha o meu pensamento estratégico. Assim aconteceu com Helena Roseta, com Cavaco Silva, com Carvalho Carreira e com Manuel Moura.

Não sou um homem de partido. Tinha e mantenho uma má ideia de grande parte daqueles que desenvolvem uma intensa vida partidária. O maior estupor que se cruzou comigo na vida é tão só militante e financiador do PSD e amigo de infância do actual Presidente da República. Porém, um dia, quando um Grande Português lutava, num campo minado e num momento difícil da nossa História, por um projecto regenerador para Portugal, entendi ser meu dever indeclinável apoiá-lo. Foi por solidariedade com Sá Carneiro que optei. Mas há mais de uma década que não tenho nenhuma actividade partidária relevante, embora, ao longo de três décadas sempre tenha estado do mesmo lado da barricada que os actuais Dirigentes do PSD.

A minha matriz ideológica é de centro esquerda, tal como foi a de Sá Carneiro e a são de Cavaco Silva ou de José Sócrates. Mantenho simpatia pela direita nacionalista, em cujos ideais cresci, tenho respeito pela direita tradicionalista, mas combato a direita dos interesses ou orleanista, responsável, em conluio com os políticos medíocres que têm governado o País, pela situação a que chegámos. A direita orleanista aproximou-se do PCP durante o PREC, instalou-se no PS a seguir, e está hoje, em força, no PS e no PSD, constituindo a alavanca principal do bloco central de interesses que vem manietando o País.

Defensor de um sindicalismo livre e independente, logo que fundei a estrutura político laboral social-democrata na CP provoquei a completa alteração do panorama laboral na Empresa. Porém, há muito que a estrutura social-democrata no sector ferroviário não existe ou existe negativamente. Desde que fui eleito Deputado e, mais tarde, nomeado para o CG da CP, que estou desligado da sua acção. É certo que o Luciano Mourão e a Geny Veloso das Neves, há vários mandatos Presidentes de Junta de duas das mais importantes Freguesias da região de Lisboa, ainda tentaram manter o rumo, apoiados por gente de ideais como Luís Carlos Cruz e Campos Costa. Mas um influente Quadro do sector, que durante o PREC navegou pelas águas do PCP e posteriormente se transferiu para o PSD, castrou e mantém castrada a estrutura social-democrata. Neste campo nada de interessante se passa no sector a não ser o site do Sindefer, pese embora o carácter partidário de alguns comentários, que Francisco Fortunato alimenta e transformou numa fonte obrigatória de consulta e de influência positiva.

A minha experiência de vida, designadamente na gestão de Empresas dos transportes e telecomunicações, permite-me afirmar, sem equívocos, que o sector sempre dispôs de Quadros altamente qualificados, que não justificam a sua crescente colonização por Quadros do exterior, quantas vezes de competência duvidosa. Pela minha parte orgulho-me de nunca ter usado critérios distintos da capacidade e da competência na escolha dos recursos (internos!) para o exercício de altos cargos. Gente de todos os quadrantes ajudou a implementar e a preparar as profundas mudanças que impulsionei.

Sei bem que as nomenclaturas de poder, que progressivamente se vêm instalando no País e no sector, raramente têm em conta esses critérios. Muito mais preocupados em consolidar o Poder, em viabilizar as suas carreiras, do que em bem servir o interesse nacional, as opções vão por acções de fachada e por servos leais, cinzentos, subservientes e ignorantes, quantas vezes. Os Vitorinos que hoje povoam a hierarquia do sector, com surpresa minha que me habituara a ter outra ideia da actual Secretária de Estado, são a ilustração disso mesmo. Esta é a razão porque o sector quase não produziu no pós 25 de Abril Dirigentes da envergadura de Carvalho da Fonseca, Almeida e Castro, Cerveira, Themudo Barata, Óscar Amorim ou Duarte Silva.

Em muitas circunstâncias falei e escrevi sobre o que penso sobre o sector, designadamente no discurso de abertura do 6º Congresso promovido pela ADFER. O que era a ferrovia antes de 86, e o que passou a ser, é fácil de constatar. Só não tenho nada a ver com a opção, que sempre combati, pelo projecto de modernização da Linha do Norte e pelo abandono da AV.

Quando decidi sair da liderança da ADFER, como é sabido, uma facção do PS, entendeu ser chegada a hora de a domesticar. Comigo a ADFER foi sempre independente, inconformista, irreverente. Ninguém me poderá acusar de ter feito, com a ADFER, algum jogo partidário. O que eu fiz, neste âmbito, está bem descrito pelo novo Director da FER XXI, Eng. Gomes de Pina, no editorial do primeiro Número que publicou. Deixei a ADFER com uma Sede de prestígio e com recursos para sobreviver.
Este blog nasceu para, entre outros objectivos, criar condições para a regeneração do projecto da ADFER. Isso é forçoso que aconteça com o Eng.º Frederico ou sem ele. O 7º Congresso da ADFER foi, pela primeira vez, como que uma cerimónia religiosa repleta de hossanas ao Poder. Realizado alguns dias após a apresentação das chamadas «grandes Linhas de Orientação Estratégica para o Sector Ferroviário» que grande oportunidade perdida para defender a correcção de tanta coisa errada! Essa apresentação, e o documento que a suportam, constituem indubitavelmente uma excelente tese académica repleta de conceitos correctos. Porém, como muito bem sabe a Senhora Secretária de Estado, o desenho da nova rede de AV, particularmente nas regiões de Lisboa e mesmo do Porto, bem como as prioridades apontadas para a sua execução, foram profundamente afectadas pela monstruosa opção da OTA. Nem tudo se pode sacrificar a uma ambição, ainda que legítima. Os interesses do País têm que estar acima!

Talvez exista alguma amargura neste texto de epílogo. Mas o aspecto essencial que me atormenta relativamente ao nosso Sector é o Governo não ser capaz de corrigir essa miserável opção pela OTA. Tenho a ideia que todo o País esclarecido já compreendeu quanto essa opção é nefasta para o nosso futuro. Um dia o Senhor Primeiro-ministro também será capaz de compreender e então a esperança renascerá. Quanto ao resto, acredito que Cavaco Silva e José Sócrates não vacilarão na caminhada de recuperação que estão a tentar imprimir ao País. Para isso, mais cedo ou mais tarde, terão que mudar este estado de coisas.