sábado, março 11, 2006

De Vitória em Vitória até à Derrota Final …

a) O Presente

Em Novembro de 2005, realizou-se uma cimeira luso-espanhola, em Évora. Nas vésperas, os dirigentes e os meios de comunicação portugueses, afirmaram que Portugal apenas deveria ter duas linhas de alta velocidade ferroviária, Lisboa – Porto e Lisboa – Madrid, porque todas as outras não eram realistas. Os múltiplos “assalariados” e “comentadores” que dominam a Comunicação Social deram eco a mais esta posição do Governo, cantando loas a esta clarividência dos nossos Ministros e Secretários de Estado, e à atitude prudente por eles assumida perante um esbanjar de dinheiro em linhas com fracas previsões de tráfego. Como corolário desta situação, na cimeira de Évora não esteve presente o Ministro do Fomento Espanhol que trata destes projectos. Logo na semana seguinte, teve o nosso ministro das Obras Públicas de ir a Espanha para ouvir dizer que o governo espanhol mantém como objectivo prioritário a conclusão de todos os traçados acordados na cimeira da Figueira da Foz até à fronteira portuguesa, bem como todos os prazos acordados nas cimeiras bilaterais (Lisboa-Madrid até 2010, troços espanhóis nas ligações entre Vigo e Porto, Salamanca e Aveiro e Huelva e Faro, respectivamente até 2009, 2015 e 2018). Mais uma grande vitória para Portugal, cantariam os órgãos de Comunicação Social e o Ministro Espanhol agradeceu a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Já em 2006, no final do mês passado, decorreu em Santiago de Compostela (Galiza, Espanha), uma cerimónia de transferência da presidência da Comunidade de Trabalho Norte de Portugal – Galiza. Neste encontro luso-espanhol, um dos nossos governantes comunicou que afinal já não se iria fazer uma linha em alta velocidade entre o Porto e Vigo, mas uma ligaçãozita mais modesta porque não somos ricos. Não é um TGV, antes um comboio de velocidade elevada, uma espécie de "Alfa" pendular da linha Porto-Lisboa, idealizado para servir as ligações do Noroeste Peninsular. Isto, como é evidente, se a comunidade de trabalho Norte de Portugal - Galiza conseguir demonstrar a rentabilidade económico-financeira da exploração… (o que, se julga, muito espantaria a parte portuguesa porque os seus “estudos” apontam para a insustentabilidade financeira de todo o projecto). Enfim, deste encontro luso-espanhol obteve-se mais uma grande vitória para Portugal, tendo presente as notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação portugueses.

b) o Futuro próximo

Admite-se que, num dos próximos encontros entre governantes de Portugal e de Espanha, os portugueses comunicarão que estiveram a estudar os nossos sistemas de transporte e nomeadamente os nossos portos. Para dar uma dimensão europeia aos nossos portos do Sul (Sines, Setúbal e até Lisboa), a melhor solução seria fazer ligações ferroviárias entre eles arranjando-se uma plataforma no Poceirão e fazendo uma ligação ferroviária entre Sines e Évora, para escoamento de mercadorias e alargando o “hinterland”. O objectivo seria chegar com todas as mercadorias até ao porto seco de Madrid (possivelmente pelo facto dos nossos governantes entenderam (coitados!) que para eles Madrid já é o centro da Europa). A dúvida que os governantes ainda terão nessa altura será mais proverbial do que real: devem-se fazer as duas plataformas, uma para mercadorias e outra para passageiros em alta velocidade, ao lado uma da outra ou relativamente afastadas entre si? E esta posição será apoiada por imensa gente sabedora, com todos os atributos e graus, bem como por dirigentes políticos. Afinal, tem-se dito, referido e escrito que não se podem transportar mercadorias em linhas de alta velocidade, exceptuando obviamente umas malas de correio expresso e uns pacotes de camarão ou algumas postas de pescada convenientemente embrulhadas. O que outros países têm andado a projectar são obviamente alucinações (Espanha, Itália, Alemanha). Neste encontro, os espanhóis ouvirão e calarão e como conclusão desta frutuosa cimeira, será dito ao povo português que foi mais uma vitória para Portugal, do nosso Povo e do nosso Governo, e o mesmo cantará a subserviente Comunicação Social. Também aqui, o Ministro Espanhol agradecerá a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Dali a mais algum tempo, talvez um ano, haverá outra cimeira luso-espanhola. Possivelmente será comunicado aos nossos vizinhos que afinal o projecto de fazer uma linha em alta velocidade ligando Portugal directamente a Irun e à Europa para além dos Pirinéus, o até agora designado eixo Vila Formoso – Irun, que serviria a zona de Porto – Aveiro – Coimbra, também não tem interesse porque o nosso país não é rico e esta ligação também tem fracas previsões de tráfego segundo os “estudos” portugueses. Novamente haverá sectores do nosso panorama político (actuais e passados), universitário e empresarial a defender estas medidas ajuizadas e cheias de bom senso dos líderes do nosso País, alegando que a mente clarividente dos governantes permitiu pôr cobro a mais um projecto megalómano que, segundo argumentam, não tinha qualquer sustentabilidade financeira. Também a Comunicação Social, bem domesticada e controlada (e mediocratizada) pelos sucessivos Governos fará eco destas vozes nas televisões, rádios e jornais semanários, diários, regionais. Será mais uma grande vitória para Portugal, e o Ministro Espanhol agradecerá a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Numa das cimeiras que se sucederá, possivelmente antes de 2010, os nossos governantes aproximar-se-ão humildemente dos nossos vizinhos espanhóis e comunicarão que afinal também não há dinheiro para fazer a linha em alta velocidade entre Lisboa e Badajoz. Por outro lado, a fazer-se ela teria de passar pelo futuro Aeroporto Internacional de Lisboa (a situar não em Lisboa nem na Península de Setúbal, porque é preciso não esquecer que há muito tráfego que virá do Porto, e por isso a sua localização deve ter em consideração a posição dessa cidade. Daí que a Ota tenha surgido como o melhor local para servir as duas cidades mais importantes de Portugal, embora, como é evidente, esteja “ligeiramente mais próximo” da capital). Nesta cimeira, provavelmente a parte portuguesa ainda não estará convencida que a linha em alta velocidade tenha de ser mista, ou seja, para passageiros e para mercadorias, porque então para que teria servido andar a fazer uma linha de caminho de ferro entre Sines e Badajoz para mercadorias? E alegará que serão precisos mais estudos… Os espanhóis ficarão agastados com a posição portuguesa e dirão que esperavam chegar a Lisboa primeiro em 2010 e depois em 2013, na sequência dos contactos e afirmações de governantes portugueses. Depois, hão-de sugerir que a linha seja mista como o era desde Madrid a Badajoz. O Governo ripostará que nunca poderá adoptar uma linha mista porque senão os seus opositores e detractores, enfim os seus inimigos, diriam que eles seriam tão burros como todos os governantes, dirigentes e técnicos que defenderam a modernização da linha do Norte e que depois a deixaram órfã de paternidade e de apoio… Os espanhóis ouvirão com atenção estas alternativas e tipos de traçado e torcerão o nariz e pensarão: não é isso que queremos, porque andar às voltas por Portugal não permite fazer o melhor tempo entre Madrid e Lisboa, e aí já são os seus interesses de centralização do poder na capital espanhola e de concepção estratégica global que estarão postos em causa. Lógica e normalmente, proporão fazer eles essa ligação entre Badajoz e Lisboa, eventualmente através de uma PPP (parceria público-privado, neste caso, não se sabendo bem se a parte pública seria portuguesa ou espanhola …). E avançam que a linha será mista entre Badajoz e Lisboa na continuação do que está previsto e então parcialmente já construído entre Madrid e Badajoz; no caminho essa nova linha vai servindo os portos de Setúbal (onde empresas espanholas já operam um “pequenito” cais), e ainda o de Sines e o de Lisboa. Mais ainda, incluem uma travessia em ponte entre Barreiro ou Montijo e Lisboa. Obviamente que a operação, exploração e gestão desta linha será espanhola. Como será espanhola a gestão e exploração dos comboios da nova ponte sobre o Tejo por eles construída e por onde passarão, para além da alta velocidade, os suburbanos e talvez os passageiros e as mercadorias do futuro aeroporto internacional que alguém se lembrará de construir em alternativa à Ota, na península de Setúbal, algures na zona entre o rio Frio e o Poceirão. Para rendibilizar o investimento, o Ministro Espanhol pedirá que lhes sejam dadas mais facilidades, através de empresas espanholas, nos controlos dos portos do Sul de Portugal (Sines, Setúbal e porque não Lisboa). Já agora porque não implementar a construção desse novo aeroporto da Península de Setúbal?. Nesta altura, os governantes portugueses ficarão encantados (tal como ficaram todos os dirigentes políticos dos países latino–americanos quando os Estados Unidos da América passaram a intervir política e economicamente nos seus territórios, sobretudo depois da presidência de Theodore Roosevelt que tão bem implementou a doutrina Monroe). De uma só cajadada conseguiram resolver os problemas todos: conseguiram fazer (por fim!) uma linha em alta velocidade, conseguiram ligar os portos do Centro e do Sul de Portugal entre si e a Madrid, conseguiram fazer uma nova ponte em Lisboa, e, com um pouco de optimismo, têm um novo aeroporto e um novo centro logístico na Península de Setúbal. Tudo isto sem grandes investimentos de capital público português (embora também não controlando a gestão e a exploração dessas infraestruturas estratégicas). Mais, no final, ainda podem dizer que toda aquela obra foi organizada, preparada e até (se calhar …) realizada na sua legislatura… O final desta cimeira, será mais uma grande vitória para Portugal, e o Ministro Espanhol agradecerá a posição portuguesa de sintonia dos pontos de vista entre as duas partes…

Com tantas vitórias em tantas cimeiras e encontros, Portugal deveria estar de parabéns pelos seus governantes e pelos brilhantes sucessos obtidos. No entanto, talvez esta sucessão de vitórias para Portugal venha a resultar na nossa derrota final, porque ficaremos totalmente dependentes. Nessa altura, a nossa linha prioritária de escoamento de mercadorias (o eixo Vilar Formoso – Irun) não existirá, exceptuando em termos rodoviários porque já está feita, e tudo passará por Madrid aonde também irão chegar as linhas viárias (ferro e rodo) de acesso de todos os portos espanhóis de primeira e segunda importância (desde Baía de Algeciras a Barcelona, passando por Valência; desde Vigo a Bilbau-San Sabastian). E obviamente que, neste caso, a prioridade não será dada ao escoamento dos produtos portugueses. Em volta de Portugal haverá portos secos espanhóis (Salamanca, Badajoz, Sevilha) e portos marítimos (Vigo e Cádis), e será ali que os portugueses se irão abastecer ou vender as suas mercadorias, levando ao desenvolvimento dessas cidades e regiões e ao não-desenvolvimento ou mesmo atrofiamento dos aglomerados urbanos e zonas que lhes poderiam fazer concorrência em Portugal (nomeadamente à perda de influência da zona do Grande Porto, e em menor escala das regiões de Évora, da Guarda e do Algarve). Por outro lado, as vias e infra-estruturas de transporte, mais relevantes e estruturantes do país e sobretudo da zona da capital, seriam operadas e geridas pelos espanhóis, com todos os inconvenientes estratégicos e de operacionalidade associados.

E tudo isto porque os nossos vizinhos espanhóis já estudaram o que querem ser até 2020, que resumidamente se pode compreender pela figura seguinte, com as ligações entre cidades e regiões, em termos de eixos de transportes e de centros logísticos.

Contra esta política de gestão estratégica do espaço peninsular, pensada e em implementação pela Espanha, o que pensam os Portugueses? Alguma coisa hão-de ter previsto, pensarão alguns. Infelizmente, já há muito tempo que no nosso país só se raciocina em termos de período eleitoral ou de intervalo da legislatura, e como os votantes teimam em votar contra os que estão no poder porque a mediocridade dos dirigentes é por demais evidente, os governos têm uma curta duração e são de gestão casuística e de curto prazo, não elaborando uma estruturação para médio ou longo prazo. Portugal cada vez mais está dependente de Espanha e nem estuda o que ela tem em mente ou o que quer, para saber como tirar partido das vantagens e desvantagens de cada posição. Precisamente o contrário do que faz a Espanha, como se tem provado pelo modo como aborda as questões com Portugal (que cada vez mais trata como uma das suas regiões autónomas) e também com outros países da União Europeia.

A forma como se vem encarando no nosso país a problemática associada aos transportes e muito especialmente à rede de alta velocidade mostra bem que “estamos a perder o comboio”.

JPP
Lisboa, Março de 2006

sexta-feira, março 10, 2006

AS GRANDES ALMAS E AS ALMAS NEGRAS

Infelizmente para o País o trágico absurdo a que alude o título deste texto não é exclusivo do sector dos Transportes. Faz parte do estado de degradação geral para o qual os Políticos têm conduzido o País, numa caminhada sem rigor nem estratégia que nos deixa cada dia mais distantes do progresso imparável da Espanha.

Nas últimas duas décadas o nosso sector tem sofrido profundas reestruturações que o poderiam ter conduzido à viabilidade e à credibilidade. A criação das Empresas afiliadas foi uma dessas medidas. A gestão que os Governos impuseram ao sector, incluindo a essas novas Empresas, deu o resultado que está à vista.

Toda a gente conhece a grande alma que deu projecção à Ferbritas! Toda a gente sabe quem foi a grande alma que edificou e prestigiou a EMEF! Toda a gente sabe quem foi a grande alma que concebeu e consolidou a Fernave! Toda a gente sabe quem foi a grande alma que impulsionou o Plano de modernização dos caminhos de ferro e a mudança profunda dos serviços, sem a qual ainda viveríamos na época dos tranvias, dos semidirectos, dos onibus, do detalhe e do vagão difuso, em 3600km de rede. Toda a gente sabe quem foi a grande alma que impulsionou as unidades de negócios e conferiu maior sentido empresarial à gestão.

Entretanto as grandes almas deram lugar às almas negras. Profissionais com provas dadas no sector foram substituídos por amigos dos políticos e dos governantes, transformando a gestão das empresas do sector em locais de emprego para toda a casta de protegidos e apaniguados. Homens da mala uns, simples serviçais outros. Os perigosos homens da mala, angariadores (também) de financiamento partidário, são colocados estrategicamente em todas as empresas que realizam grandes investimentos públicos. A técnica é conhecida: ou o processo de angariação é desenvolvido enquanto se desenvolve o concurso tornando-se o financiamento como uma compensação por um favorecimento da proposta que se faz vencedora; ou se faz depois do processo de decisão técnico apurar o vencedor. Neste caso a decisão final torna-se dependente do aval duma entidade superior que demora semanas ou meses até que o financiamento se consuma. Os recursos públicos desbaratados nestes processos ínvios são incomensuráveis. Os homens da mala, esses, entre outras vantagens, têm carreiras de gestão estáveis e ascendentes. Não esquecer que as máquinas partidárias não conseguem controlar a angariação de fundos, nomeadamente em plena campanha eleitoral!

Mas falar dos exemplos concretos dos gestores, que nos conduziram à ruína, para quê? Não teria é que ser assim! Isto não é uma fatalidade! É obra de políticos e governantes desconhecedores e mal formados! Olhemos, por instantes, por exemplo, para o interior da EMEF. Como é fácil ver no seu seio uma dúzia de quadros com nível e qualificação incomparavelmente superiores aos afilhados do Poder que têm gerido e arruinado essa empresa. Por quanto tempo mais vai o País aguentar esta gestão fatal ou é necessário correr para a falência total como parece ser o rumo da Fernave?

O lugar das almas negras não é neste sector. O seu divinal destino é outro.

quarta-feira, março 08, 2006

Liberdade de expressão

Nenhum verdadeiro democrata ignora a importância da liberdade de expressão enquanto pilar fundamental do regime democrático.

Dos direitos políticos e de cidadania conquistados em Portugal com o 25 de Abril de 1974, pode mesmo dizer-se que é dos poucos que no essencial ainda assim persiste passados 30 anos. Não obstante, nos últimos tempos têm surgido repetidos afloramentos em diferentes fontes de poder, indiciando uma crescente tentação de limitar o exercício da liberdade de expressão. E daí, a um passo de cercear liberdades intrínsecas ao exercício efectivo de direitos fundamentais da sociedade democrática. A liberdade de expressão é, como se sabe, um ícone dos regimes de liberdade, um direito que não existe em regimes de ditadura, um valor não quantificável que só é respeitado em sociedades desenvolvidas e democráticas.

Desde a tentativa de “moderar” as criticas do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa no anterior programa de comentários de Domingo na TVI, às repetidas violações do segredo de justiça em casos mediáticos, às escutas telefónicas com um âmbito que tem extravasado do perímetro que seria de esperar, até ao recente episódio de busca judicial na redacção do Jornal 24 horas, tudo tem contribuído para um sentimento de descrédito e de ameaça de direitos civis e políticos, inerentes a liberdades fundamentais do sistema democrático.

Acresce que todo este clima tem vindo a ser amplificado pela situação de crise económica que se instalou no país, e de que por enquanto ninguém parece saber como se pode sair. O desemprego e a crescente tendência para o vínculo laboral precário, constituem outra face da mesma moeda que empurra cada vez mais portugueses para a resignação, para o pessimismo e para a quebra de auto-estima. Ou seja, a conjugação de um conjunto de factores negativos que dificultam ainda mais a recuperação da confiança e de expectativas positivas, indispensáveis para relançar o crescimento económico e o desenvolvimento social que o país precisa para sair da crise.

Nas empresas de comunicação social, jornais, revistas, rádios e televisões é notório que são cada vez menos as vozes livres que se atrevem a ir além do politicamente correcto. Por mais distraído que seja, basta abrir os jornais para qualquer um se dar conta de que as notícias pagas para promover empresas, empresários e gestores, públicos e privados, ocupam cada vez mais espaço de comunicação. O jornalismo deixou praticamente de ser uma profissão independente. Os jornalistas passaram a assalariados, mal pagos e em grande parte fragilizados por vínculo de contrato de trabalho precário, num mercado completamente sufocado por apenas dois ou três grupos empresariais de comunicação. O jornalismo de investigação é por isso cada vez mais raro, sendo mais fácil e muito menos arriscado escrever sobre viagens, cinema, moda, vida amorosa de figuras públicas, acompanhar candidatos e políticos em campanha, ou fazer reportagem sobre acontecimentos em terras longínquas. Restam hoje no jornalismo português já poucas, embora, felizmente, honrosas excepções, a quem o país continua a dever justo tributo de consciência livre e democrática.

Também no terreno dos funcionários públicos, das empresas públicas e das privadas, a actividade sindical e o exercício da negociação colectiva já conheceram melhores dias. A este nível o exercício das liberdades constitucionais tem vindo mesmo a transformar-se num acto heróico, a que já muito poucos se atrevem com receio das consequências. Uma contingência a que naturalmente não escapam as empresas do sector ferroviário. Isto não obstante as suas tradições de mobilização e de luta por direitos e liberdades como uma das mais vincadas referências da democracia. Veja-se a luta recentemente travada no sector dos transportes pela reposição de valores éticos de gestão, com a denúncia pública de troca de lugares de administradores entre empresas ferroviárias e outras. Luta em que, a verdade tem que ser dita, o SINDEFER esteve sempre na linha da frente.

Ora voltando à liberdade de expressão, o que é absolutamente de espantar é que os crescentes sinais de intolerância e ameaça, se continuem a acentuar em Portugal na vigência de um governo de maioria do Partido Socialista, justamente um partido de dirigentes com provas de um longo passado de combate e de luta pela liberdade e pela construção da democracia. E mais surpreendente ainda é constatar como é que socialistas em lugares de confiança política nos conselhos de gerência de empresas, se podem prestar a perseguir até outros socialistas, exclusivamente para tentar calar vozes incómodas como a do SINDEFER, mesmo que isso signifique um dos mais graves atentados ao controlo democrático e à liberdade de expressão no sector ferroviário e no país.

Todavia, haverá que chamar a atenção para alguns aspectos que importa não subavaliar. Seja: 1 - a Internet é já hoje um poderoso meio de comunicação, e sê-lo-á ainda mais no futuro; 2- está provado que por cada site que se cala nascem pelo menos mais três, quase sempre ainda mais difíceis de controlar; 3 - um artigo que se coloca num site pode chegar quase instantaneamente ao gabinete de um enorme conjunto de individualidades, desde o funcionário, ao assessor, ao presidente, ao secretário, ao amigo e ao ministro; 4 - todos temos amigos importantes, mas nem todos gostamos de pedir, alguns só o fazem se for mesmo indispensável; 5 - a Internet funciona segundo o moderno conceito de rede, e múltiplos sites estão linkados entre si; 6 - não é que aqui até se acredite em fantasmas, mas, quem sabe, à cautela talvez o melhor seja mesmo não os fazer sair do armário, …

terça-feira, março 07, 2006

A NOVA ESTAÇÃO CENTRAL DE LISBOA: A Lógica e os Interesses

A escolha da futura estação central de Lisboa (ECL) para os comboios de Alta Velocidade (AV), e não só, é simples e óbvia para todos aqueles que têm alguma noção de política de transportes. Que interesses impedem os sucessivos Dirigentes de ver claro?

Há um século e meio a opção tomada quanto à localização da nova estação ferroviária não foi pacífica. A escolha do Cais dos Soldados (Santa Apolónia) esteve estreitamente relacionada com os modos de transporte então existentes e que o comboio ia substituir ou colmatar, isto é os Vapores entre o Cais das Colunas e a Azambuja, continuados para Norte pelas Diligências, e pelos Vapores que faziam a travessia do Tejo rumo a Sul. A tese dos mais conceituados especialistas da Época era pela localização em Arroios (hoje Praça do Chile / Alameda).

Essa imperfeita opção fez com que duas décadas depois se construísse uma nova estação central no Rossio, que cedo se revelou exígua. Há longas décadas que os mais antigos quadros ferroviários planeiam a criação de uma nova ECL na zona do Rego, associada à reactivação da Linha da Cintura. Enquanto a Linha de Cintura, a partir das primeiras opções do Conselho da CP na 2ª metade da década de 80 e do impulso criador do Eng. Castanheira Lourenço, aliás sempre continuado por sucessivos Governos e Conselhos da CP e da Refer, se transformou num eixo fundamental do sistema de transportes da AML, o espaço disponível no Rego revelou-se cada vez mais exíguo e com piores acessibilidades.

Quando nos finais da década de 80 se fizeram os primeiros estudos sobre a nova rede de AV a localização da ECL escolhida, em diálogo com a CM de Lisboa, foi Chelas.

A ECL, no futuro o mais importante Nó de todo o sistema de transportes da AML, tem que dispor de excelentes acessibilidades, quer do transporte público, quer do transporte particular, tanto ferroviárias, como de metropolitano, como rodoviárias. A maior relevância deve ser dada à acessibilidade ferroviária suburbana e de metro. A Linha de Cintura é, ou poderá ser, o eixo de chegada ou de passagem da generalidade dos comboios suburbanos de Lisboa (da Fertágus, de Sintra, da Azambuja, de Cascais – possível, do futuro eixo Caldas, Malveira, Loures – um dia), salvo alguns que mantenham como destino as velhas estações de Santa Apolónia, Barreiro, Cais do Sodré ou Rossio. Em articulação com a Linha de Cintura se deveria, pois, situar a nova ECL, o mais próximo possível do coração de Lisboa/ AML: Sete Rios, Rego / Entrecampos, Roma / Areeiro, Chelas / Olaias… O Metropolitano de Lisboa tem em construção uma verdadeira linha de cintura da sua rede – a Linha Vermelha, no futuro a linha de melhor acessibilidade. Acontece que essa linha cruza a Linha ferroviária de Cintura em Olaias.

Os eixos rodoviários construídos em correlação com a EXPO podem proporcionar à zona de Chelas / Olaias uma boa acessibilidade rodoviária. Entre a Av. Gago Coutinho e o Vale de Chelas existe espaço suficiente para edificar a ECL, podendo a infra-estrutura ferroviária ser feita em diferentes andares como sucede noutras capitais (Madrid, por exemplo). Haveria enormes vantagens em transformar a ECL em estação de O/D da generalidade dos comboios de longo curso da rede de bitola ibérica. Haveria ainda a possibilidade de prolongar a linha de AV até à Portela permitindo que os principais comboios se iniciassem ou terminassem no Aeroporto, como sucede por exemplo em Génève / Cornavan.

Os encargos com a construção da nova ECL poderão ser suportados pela iniciativa privada. Sendo a futura ECL a zona com melhor acessibilidade de toda a AML, todos os espaços comerciais, de escritórios e de habitação, aí situados, serão valiosíssimos. Se o Estado decidir concessionar os espaços superiores e inferiores à infra-estrutura ferroviária angariará recursos suficientes para todo o empreendimento.
Porquê continuar a analisar outras localizações? Ou será apenas para pressionar a desactivação e a urbanização da Portela e consumar o desastre da OTA, como também está a suceder com a urbanização prevista para Rio Frio? De quanto tempo mais vai precisar o Senhor Primeiro-ministro para compreender que a OTA não serve o interesse nacional?

OTA – Um Beco sem saída

Leia mais este interessante artigo de Rui Rodrigues publicado no Público (pag. 2).

segunda-feira, março 06, 2006

Conceituado Socialista clama contra a ausência crónica de uma Política de Transportes e contra o erro crasso da OTA

Leia no Público o artigo de Reis Borges “Nos transportes ponto final ...”