quinta-feira, setembro 14, 2006

O Governo continua de mãos atadas em relação ao TGV

O coordenador do eixo ferroviário Portugal / Espanha / França atribui o atraso à mudança de governos e diz que tudo fará para que o troço sudeste do TGV não se limite a ser um projecto franco-espanhol.

Saiba porquê >>

quarta-feira, setembro 13, 2006

REQUIEM POR UM SOCIALISTA EMÉRITO

O Senhor Eng. Reis Borges, autor de alguns textos transcritos neste blog, acaba de partir…Figura de raras coragem e clarividência, com uma longa carreira ligada aos transportes, apesar de uma reconhecida e notória capacidade profissional, nunca foi chamado a desempenhar os cargos compatíveis com o seu mérito de que o sector beneficiaria. O Poder gosta dos fracos, dos subservientes, dos louva minhas. O bloco central dos interesses, as máfias e as seitas da «gestão» da coisa pública, protege uns e marginaliza outros. Com clamoroso prejuízo para o País. Portugal assim chegou aonde chegou! Mas nada fez vacilar Reis Borges na defesa coerente e altruísta das suas ideias e convicções. Tal como as árvores morreu de pé. Que o seu exemplo frutifique e moralize todo um sector para que Portugal se reencontre e se liberte da teia orleanista.

________________________________________
De: Antonio Brotas [mailto:brotas@fisica.ist.utl.pt]
Enviada: segunda-feira, 11 de Setembro de 2006 19:51
Para: 1 Sede Nacional PS
Assunto: LIVRO NEGRO SOBRE O AEROPORTO DE OTA - II

PARA O LIVRO NEGRO SOBRE O AEROPORTO DA OTA II (11 de Setembro)

O Engenheiro Reis Borges faleceu no Domingo. No Sábado, quando o visitei no hospital, autorizou-me a incluir neste LIVRO NEGRO o texto que se segue, por ele preparado para o encontro promovido em 7 de Julho pela Câmara Municipal de Setúbal sobre a localização do Novo Aeroporto de Lisboa, onde não pode ir por ter caído doente.

No final, junto uma pequena nota biográfica e um resumo do texto, por ele próprio enviados ao General Lemos Ferreira que preparava a apresentação dos intervenientes.

António Brotas

************************************************************************************
Porquê um Aeroporto Intercontinental no Rio Frio?

1. No início dos anos 50 a aviação civil passou por uma verdadeira revolução. A próxima entrada em serviço da aviação a jacto, permitindo transposição directa do Atlântico, iria exigir uma profunda transformação da geometria e características físicas dos aeroportos existentes. E Lisboa não escapava à regra. Os técnicos nacionais estudaram várias soluções e propuseram a configuração que ainda hoje perdura, mas sem que tivesse sido alertado o Poder Político para os incómodos do ruído, especialmente sobre o Hospital de Santa Maria e a Cidade Universitária, então em construção. A decisão governamental foi, "faça-se já". E há que reconhecer que se os aviões não pudessem aterrar em Lisboa iriam naturalmente para Madrid. Não havia então alternativa. Mas os técnicos nacionais fizeram ciente o Poder Político que a Portela nunca seria solução de futuro, pelo que devia ser escolhida uma nova localização. E é, no âmbito dos estudos do Plano da Região de Lisboa, que o Engº Miguel Resende indicou duas áreas livres de obstáculos: uma em Rio Frio para um grande aeroporto internacional e outra na Fonte da Telha para um aeródromo central de turismo. O Plano da Região nunca foi aprovado uma vez que o establishment não queria plano nenhum. Os pareceres da Câmara Corporativa, alguns dos quais de figuras como Francisco Pereira de Moura ou de Maria de Lurdes Pintassilgo foram sempre no sentido que não facilitava a concretização do Plano.

2. Nos anos 60, no consulado caetanista, um novo aeroporto internacional é colocado na agenda política, criando-se para o efeito o GNAL. Este fixou – e bem – como pressupostos que a nova localização deveria estar dentro dum circulo de 50 km com centro em Lisboa e dispor de uma área mínima de 3.500 hectares: Era a área que, em todo o mundo, se considerava indispensável para permitir um sistema de quatro pistas paralelas. A Norte do Tejo nenhuma localização satisfazia tais requisitos pelo que as ponderações incidiram apenas sobre zonas da Margem Sul tendo sido Rio Frio a localização melhor pontuada. Consagrada - na 4ª sessão do Conselho Aeronáutico e que, simultaneamente, aprovou a revisão do Plano Director da Portela 1969 para um aproveitamento até aos dez milhões de passageiros - Rio Frio passou à fase de ante-projecto elaborado por um consórcio americano assistido por outro alemão. O respectivo processo é, seguidamente, remetido ao Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes para o seu devido acompanhamento ao mesmo tempo que se iniciavam diligências expropriativas (com um único proprietário) tendo-se cativado 400.000 contos para a 1ª fase. Note-se que não foi por bizantinice que o Estado Novo aprovou Rio Frio em reunião do Conselho de Ministros para os Assuntos Aeronáuticos envolvendo, para além dos ministérios interessados, a alta hierarquia militar. É que qualquer aeroporto civil é mobilizável em tempo de guerra pelo que se colocam, naturalmente, considerações tácticas e estratégicas de Defesa Nacional na sua localização!

3. O 25 de Abril fez suspender a intenção política de construir um Novo Aeroporto Internacional. O GNAL foi extinto e integrado na ANA a qual recebeu os 400.000 contos da expropriação para reforço do seu fundo de maneio. E durante mais de meia dúzia de anos não se ouviu falar do assunto. Todavia, cerca de 1982, adjudicou-se a um consórcio TAMS-PROFABRIL a reanálise de Rio Frio. Não se estabeleceram mínimos pelo que se elencaram, na margem Norte, várias localizações que se sabia à partida não satisfazerem minimamente.
Mas o certo, certo é que o grupo TAMS-PROFABRIL confirmou novamente Rio Frio como a solução tecnicamente mais adequada. Uma dezena de anos mais tarde é dada instrução governamental à ANA para avaliar comparativamente Rio Frio, Montijo e Ota para um movimento anual de 25 milhões de passageiros. A avaliação da ANA não teve dúvidas em colocar Rio Frio em 1º lugar, Montijo em 2º e Ota em 3º lugar! Já nos anos 90 os aeroportos de Paris (ADP) como consultores governamentais, no seu relatório Final, voltaram a dizer que a melhor solução era Rio Frio… Não tendo tido suporte em estudos técnicos, o Poder Político viu-se obrigado a montar a encenação ambiental que se conhece com conivências académicas mas também com o silêncio cúmplice de autarcas e forças vivas da margem sul. Estava a decorrer o PROT.AML e nem por isso ter-se-ão sentido motivados para esclarecer os habitantes que o território não estava a ser confrontado com soluções integradas e alternativas de localização dos grandes equipamentos estruturantes. Foi uma actuação passiva, de seguidismo do Poder e sem quaisquer dividendos para as populações locais.

4. Mas seria redutor atribuir à casuística tudo o que sucedeu com Rio Frio, com a rede ferroviária de alta velocidade, maxime com os transportes em geral.
Vamos recordar as apostas da Europa, logo a seguir no pós-guerra, no domínio dos transportes. Apostas de verdadeiro sucesso. A primeira foi a indústria aeronáutica que há cinquenta anos vendia praticamente zero e os americanos quase tudo. Hoje o Airbus ultrapassou a Boeing nas vendas. Mais de metade do mercado mundial é abastecido pela Europa. A segunda aposta foi o desenvolvimento tecnológico na alta velocidade ferroviária encarada como forte factor de coesão territorial da Europa. Foi outro sucesso, com a Europa a ultrapassar tecnologicamente o Japão e os Estados Unidos. A terceira aposta foi a constituição duma gestão pública de excelência nos transportes. A França já trazia desde Leon Blum e da Frente Popular o conceito de missão de serviço público, à qual De Gaule deu grande alento considerando estratégicas para a França a energia e os transportes. E o certo é que quase toda a Europa afinou pelo mesmo diapasão e reconheceu a necessidade duma gestão pública de excelência como suporte estratégico da consideração dos transportes como motor de desenvolvimento económico europeu.
Há trinta anos, mais ou menos, nasceram as democracias ibéricas e a forma como elas interiorizaram aquelas apostas europeias, marcou em definitivo o seu tempo e modo no domínio dos transportes. A Espanha entrou na Airbus com cerca de 2%. Hoje, com o valor incorporado da sua produção, terá ultrapassado os 20%. Mandou técnicos prepararem-se em França e Alemanha no projecto e gestão da alta velocidade ferroviária. Hoje tem o maior estaleiro de obras daquele padrão de velocidade. Há 30 anos tinha uma gestão mais ou menos militarizada. Hoje tem uma gestão pública de nível europeu, com adequadas carreiras técnicas e grande aposta na investigação e desenvolvimento. E Portugal? Não entrou na airbus muito embora tenha sido, para o efeito, expressamente convidado. Negligenciou completamente o problema da bitola, melhorou a linha da Beira Alta e enterrou-se na célebre modernização da Linha do Norte sempre em bitola ibérica. Não foi capaz de enviar meia dúzia de técnicos aqui ao lado (em Espanha) para estagiarem. Nem utilizaram a bitola de dupla fixação, conhecida desde 1941, quando os alemães invadiram a Rússia. No que concerne à gestão pública, a prioridade foi conferida à dança de cadeiras, aos negócios do bloco central dos interesses (que começa nos transportes) chegando-se assim à situação actual. Não admira pois que tenha perdido o mar e deixado que os nossos portos não dispusessem de qualquer capacidade competitiva. Enquanto discutia Sines os espanhóis converteram um porto de pesca (Algeciras) no transhipment da Península!
Ora sem políticas sectoriais de aprovação parlamentar, numa completa ausência de visão estratégica, sem uma Administração a funcionar regularmente, o Estado Português desarmou-se revelando-se incapaz de qualquer exercício de análise prospectiva entrando, caso a caso, num agenciamento de negócios que deveria competir à sociedade civil. Daí uma verdadeira administração directa dos transportes com todas as situações de promiscuidade a que dá lugar. O PROT.AML é quase que, clandestinamente, aprovado sem que o território tivesse sido confrontado com opções integradas e alternativas sobre a localização de grandes equipamentos estruturantes. Chega-se assim à cooptação da Ota que nenhum estudo recomendara. E agora chega-se à prática evidência que a ligação de AVF Madrid-Lisboa é compaginável com uma plataforma logística no Poceirão e com um aeroporto no Rio Frio, mas nada terá a ver com a Ota…

5. Se tivéssemos uma política sectorial articulada e face à constatação de que Madrid tem o seu problema aeronáutico resolvido, muito para além de 2050, teríamos visto que se trata agora duma grande oportunidade para o desenvolvimento integrado do território que se estende de Sines a Espanha preparando, para o efeito a nossa engenharia e a nossa construção para um grande estaleiro de obras na Europa. E o que seria mais fácil é começar, exactamente, por um aeroporto internacional. Portugal dispõe do maior espaço aéreo europeu pelo que a existência de um aeroporto, sem quaisquer restrições de tráfego, com amplas áreas disponíveis permitindo às alianças estratégicas construírem os seus próprios terminais e outras instalações, é uma mais valia que é crime desperdiçar.
Pensar em grandeza mas executar com parcimónia faz parte de ambições nacionais de todo o tempo e todas as épocas. Sobretudo quando a concretização é mais que possível porque apenas dependente da vontade política…
Em suma. Um Novo Aeroporto Internacional deve constituir uma aposta numa verdadeira plataforma europeia de transferências de tráfego transcontinental, com a classificação 4F da ICAO e operável todo o tempo (H24) sendo uma das respostas ibéricas ao progressivo congestionamento de tráfego potenciando o maior espaço aéreo europeu que é português.
Aberto a todas as alianças estratégicas de transporte aéreo deverá, por isso, ser de altíssima qualidade na prestação de serviços (pontualidade, conforto, etc.) e com capacidade suficiente de ampliação. Por isso não poderá ter menos de 4 pistas paralelas devendo permitir uma construção faseada. Uma adequada articulação com a rede ferroviária, o equipamento portuário e o sistema logístico para além das acessibilidades rodoviárias é sempre uma condição de base. Finalmente fazer da construção do aeroporto uma área de excelência na engenharia e na construção permitindo, seguidamente, a exportação de bens transaccionáveis.
Ora Rio Frio satisfaz todos os requisitos apontados o que, já não sucede com a Ota em que as obstruções que a cercam não permitem operações aéreas irrestritas sendo que as duas pistas não têm sequer funcionamento independente. Acresce que não é ampliável e nem sequer permite uma construção faseada.

6. Pelas vistos nunca houve qualquer mistério sobre o pseudo-veto ambiental sobre Rio Frio. O Poder político conscientemente trocou um dos poucos locais susceptíveis de permitir a construção de um Novo Aeroporto Internacional por uma das suas costumeiras cedências ao imobiliário… Cabe à população da margem Sul fazer-se ouvir…
Reis Borges
07.07.2006

************************************************************************************
Senhor General Lemos Ferreira

Junto as duas notas que me solicitou.

1. Licenciado em engenharia civil, pelo Instituto Superior Técnico, prestou serviço militar obrigatório na Força Aérea Portuguesa na especialização de oficial engenheiro de aeródromos.
Seguidamente integrou os quadros da antiga Direcção Geral da Aeronáutica Civil e da qual foi Sub-Director Geral, tendo representado o País em reuniões da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) e Comissão Europeia da Aviação Civil (CEAC). Foi Presidente da Comissão Nacional de Segurança da Aviação Civil e de Facilitação do Transporte Aéreo. Em 1991, mediante concurso, integrou o Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes tendo sido o Presidente da Secção de Estradas, Caminhos de Ferro e Aeródromos, posição em que terminou a carreira pública em 2003. Mantém todavia actividade privada no exercício de profissão liberal e no domínio da consultoria.

2. Tendo iniciado a sua intervenção com uma análise histórica, a partir dos anos 50, quando a Portela foi adaptada aos requisitos da aviação a jacto, foi recordando quando e porquê se chegou à localização de Rio Frio e às suas sucessivas confirmações como melhor solução técnica para um Novo Aeroporto Internacional. Entretanto lembrou as apostas europeias (e de grande sucesso), no pós-guerra, no domínio dos transportes designadamente no airbus, na alta velocidade ferroviária e na gestão pública. Mas centrando-se especialmente nos últimos trinta anos das nascentes democracias ibéricas, procurou demonstrar que o diferente posicionamento destas, perante aquelas apostas europeias, marcou decisivamente percursos distintos para os problemas técnicos e políticos de Portugal e Espanha na área dos transportes e com os resultados que se conhecem. Sem políticas sectoriais de aprovação parlamentar, numa completa ausência de visão estratégica, sem uma Administração a funcionar regularmente, o Estado Português desarmou-se revelando-se incapaz de qualquer exercício de análise prospectiva entrando, caso a caso, num agenciamento de negócios que deveria competir à sociedade civil. Daí uma verdadeira administração directa dos transportes com todas as situações de promiscuidade a que dá lugar. O PROT.AML é quase que, clandestinamente, aprovado sem que o território tivesse sido confrontado com opções integradas e alternativas sobre a localização de grandes equipamentos estruturantes. Chega-se assim à cooptação da Ota que nenhum estudo recomendara. Conivências académicas (impensáveis no quadro europeu) e o silêncio cúmplice de autarcas e forças vivas locais permitiram a encenação governamental e que o contribuinte teve mesmo de engolir. Só que a Ota, não responde, minimamente, nos domínios técnicos e de ambição nacional, os requisitos a que deve respeitar um Novo Aeroporto Internacional. Foi o que a intervenção pareceu demonstrar tendo concluído que hoje deixou de haver qualquer mistério quando se constata que, desde sempre, houve intenção governamental de ceder ao imobiliário. Ponto final.
Com os cumprimentos
de Reis Borges